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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

III - A ORIGEM DAS REDES

Se nós detivermos a observar as pessoas, caminhando na saída de um cinema ou de um estádio, veremos que algo muito curioso ocorre; a velocidade da multidão estará relacionada e determinada pela velocidade dos indivíduos mais lentos, que obstruem a passagem dos mais rápidos e ágeis. Os mais ágeis, ao tentarem ultrapassar aqueles que impedem a passagem, terão que fazer uma exímia manobra, para não levar ninguém ao chão. Caso venha a ocorrer uma situação de alarme e perigo, a multidão virá a se comportar semelhante a um estouro de boiada, haverá uma dispersão geral, com os indivíduos em pânico pisoteando uns aos outros, os mais fortes e ágeis passando por cima dos mais lentos e fracos, num verdadeiro caos. 

Esta mesma situação se dá no que se refere ao desenvolvimento cultural de qualquer sociedade humana. A velocidade do desenvolvimento intelectual de cada indíviduo está diretamente relacionada ao nível cultural da sociedade em que está inserido, cuja lentidão de aculturação de alguns poderá condenar toda a sociedade ao “atraso cultural”. Caso tal processo por algum motivo adquira o caráter de urgência se instalará o “caos cultural”, que se caracteriza pela ruptura do status quo da sociedade promovida pelo descontentamento generalizado.  

O professor norte-americano Walter B. Pitkin publicou no ano de 1932 um livro intitulado “Breve Introdução à História da Estupidez Humana” (A Short Introduction To The History of Human Stupitidy), onde fez uma dissertação sobre este delicado tema, que apesar de ácida é brilhante. Este livro me levou a encontrar uma metáfora para esta estupidez no fragmento da teoria de física quântica, que estabelece que um movimento por mais constante que seja, ao decorrer de um determinado tempo sempre apresentará uma “falha”, uma breve interrupção, para retomar a continuidade do mesmo movimento anterior. Ora, aparentemente isso acontece com todo ser humano, pois por mais brilhante que seja a sua inteligência estará sempre à mercê de uma “falha quântica”, ou seja, a de um ato da mais pura estupidez. Sendo assim, qualquer ser humano está sujeito a ter seus vários momentos de estupidez em sua existência, o que torna o estudo do Prof. Pitkin, indubitavelmente curioso.

Em seus prolegômenos, onde justifica os motivos para sua obra, o Prof. Pitkin apesar de ter escrito suas palavras em 1932, parece descrever uma situação ainda presente não só nos EUA, mas no mundo todo, como é possível verificar a seguir:

“Somos senhores da terra e do ar, do fogo e da água. Voamos mais rapidamente que do que os pássaros. Mergulhamos nos abismos. Perfuramos as montanhas e reduzimos as florestas a nada. Sobre a natureza exercemos poderes mais vastos do que os nossos antepassados imaginavam nos deuses. Mas, somos deuses? Nem tanto! Demônios, talvez. E, da terra, fizemos o Pandemônio? Para cada bilhão em riqueza, que os homens engenhosos acrescentaram à nossa parte outros homens destruíram um bilhão, às vezes em riquezas, às vezes em valor humano, por meio de guerras, trapaças, especulações, jogo, fraude, chicana, pragas, mentiras, ultrajes e – acima de tudo - estupidez mortal. Pois de toda maneira, descoberta por algum pensador, para tornar baratas as mercadorias, tem sido explorada, defraudada e mal conduzida, de maneira colossal, por outros sem imaginação, de modo que, quanto mais a rapidez a riqueza se acumula num ponto, a decadência e a miséria abundam noutros pontos, em proporção harmoniosa.

(...) Enquanto as fileiras de sem-trabalho aumentam, os governos gastam dezenas de milhares de dólares diariamente, em canhões, bombas e couraçados. Enquanto aumentamos os fundos de educação, construímos edifícios escolares cada vez mais magnificentes e formamos professores mais intensivamente, os alunos estudam e aprendem menos e se tornam maus cidadãos, presa fácil para as maltas de bandidos, para as fileiras de criminosos, e perene mercado para as atividades mais indignas. Enquanto os negócios se processam cada vez com mais rapidez, os empregados devoram mais e mais morfina, cocaína e heroína, até que nós, americanos, chegássemos à eminência de usar mais narcótico que qualquer outro povo.”[1]

É simplesmente admirável, que tal descrição reflita problemas tão atuais para toda Humanidade. Esta questão encontra a resposta na reflexão sobre o “atraso”, feita pelo Prof. Pitkin capítulos adiantes, onde após discorrer sobre diferenciais da velocidade humana, usando o exemplo que resumi no primeiro parágrafo deste capitulo, concluí:

“Todo progresso humano depende de uma massa de homens em movimento, vastamente inorganizada ou fracamente organizada. Progredir é passar alem do estado existente dos negócios humanos, especialmente alem dos padrões de vida comuns. A velocidade é mensurável no tempo e nas várias unidades qualitativas derivadas desses padrões de vida. Assim, pois, surge em muitas dimensões. Quando nos aproximamos de um grupo social em movimento, em geral ficamos surpreendidos com a sua vagarosidade. Podemos encontrar, dentro dele, muitos indivíduos brilhantes, muitos chefes energéticos, mas, tomado em conjunto, o movimento de nível inferior para um nível superior de existência parece mínimo. Por quê? Simplesmente porque todos os membros do grupo são inibidos por forças puramente sociais de acelerar os mais vagarosos de entre si ou de os eliminar. Isto ocorre em todas as dimensões de velocidade, especialmente na mente. A própria sociedade é o seu freio fatal” [2].

No caso dos Estados Unidos e da Europa, um outro fator foi determinante para tivessem o processo de desenvolvimento cultural pouco modificado nos últimos setenta anos. Após a II Guerra Mundial, o processo imigratório intenso passou a atingir estas regiões, as sucessivas ondas de imigrantes latinos, africanos, mulçumanos e outros afetaram as nações do primeiro mundo de uma maneira quase dramática. Um exemplo, de como se sentiam as pessoas destes países alvos das imigrações, pode ser encontrado no discurso feito no Parlamento inglês, pelo deputado “Tory”, Enoch Powell, no ano de 1963, numa declaração política antiimigração jamais ousada, até então, na Europa. Disse ele: “Eu vejo as comunidades imigrantes se organizarem, se consolidarem e utilizarem nossas próprias leis a serviço de seus interesses, e nos dominarem”. Seu discurso que foi feito em latim para seus pares e tinha citações de Virgílio, que eram da ignorância tanto dos parlamentares como dos jornalistas presentes, foi à causa da ruína das suas esperanças de vir a ser primeiro-ministro naquele ano[3].

Em uma entrevista Enoch Powell diria posteriormente: “Um verdadeiro inglês não inova. Quando os ingleses mudam, é porque eles fingem que estão diferentes, assim como fingem que são europeus. Coisa que eles nunca poderão se tornar! Um inglês não age jamais, ele reage! (...) A tradição é, entre nós, o verdadeiro fundamento da autoridade; basta dizer que sempre fizemos assim para legitimar cada uma das nossas ações. (...) As pessoas nascem inglesas, não se tornam inglesas! Por isso o conceito de integração dos imigrantes é um logro”. Em 1968, todos os súditos das diversas nacionalidades oriundas do extinto Império Britânico podiam se instalar livremente na Grã-Bretanha, porquanto o Parlamento ainda não legislara sob o fechamento das fronteiras aos antigos colonizados [4]

Eu pude constatar esse orgulho britânico, ainda tão vivo nos dias atuais, quando no ano de 1999, eu estive numa pequena ilha do Caribe chamada Bequia. Ocorreu que, como a hélice do barco tinha se quebrado, um mecânico foi chamado para o conserto. Ao meio da tarde um homem alto, com a pele branca avermelhada do sol, com os cabelos mechados de loiro e grisalho, vestido com uma bermuda e uma camisa surradas finalmente chegou e disse ser o mecânico. Conversa vai, conversa vem e perguntei de onde ele era, e uma transformação aconteceu no homem, se empertigou, estufou o peito e levantou o nariz dizendo: “- I am english, of course!”. Não resisti e ri. Então, ele me perguntou de onde eu era, e respondi: “- I am brazilian, of course!”, e foi a vez dele rir. Quebrado o gelo, a amizade nasceu. Este orgulho, de ter nascido em um lugar, é desconhecido para os brasileiros, que não são muito apegados à questão patriótica, mas ela está presente na cultura de muitos outros povos.

As ondas de imigrantes geram nos países que a recebem uma série de necessidades para atender a subsistência dessas pessoas: trabalho, moradia, serviço de saúde, alimentação, estudo e tantas outras, trazendo lentidão ao progresso de desenvolvimento nacional. Além disso, causam sérios conflitos sociais em razão do processo de integração, que a bem da verdade, raramente ocorre.

Durante toda a História da humanidade, sempre um estratagema foi usado pelos povos que eram invadidos por hordas imigratórias estrangeiras, o qual consistia na preservação do conhecimento cultural adquirido. No passado as diferenças culturais entre os povos eram mais profundas, sendo que uma distância gigantesca separava os gregos dos citas e os romanos dos visigodos, por exemplo. Quando as hordas bárbaras começaram a fluir em maior número, o cristianismo implantado por Constantino no Império Romano serviu à construção de inúmeros mosteiros, em locais de difícil acesso a fim de servirem como guardiões do conhecimento da cultura helênico-romana, sobre a qual se ergueria a civilização Ocidental.  Certamente, se esta medida não tivesse sido tomada, às hordas bárbaras teriam destruído todos os documentos e fragmentos do passado cultural do Ocidente. Assim, os romanos não permitiram que com o patrimônio cultural heleno-romano ocorresse o mesmo que o sucedido com o egípcio, quando Julio César mandou incendiar a fabulosa biblioteca de Alexandria, que guardava todo o conhecimento da Humanidade até a data da sua destruição, em 51 a.C.

Quando Constantino conquistou a Igreja Cristã para o Império Romano fez dela a fiel guardiã dos “conhecimentos”, tanto do cristianismo como da cultura greco-romana, tendo por objetivo primeiro preservá-los para que não caíssem em mãos da ignorância emocionada dos povos bárbaros. Num segundo momento estes conhecimentos passaram a significar um poder tenebroso que jogou a Europa nas trevas da ignorância da Idade Média. O historiador inglês, Edward Gibbon, em sua obra “Declínio e Queda do Império Romano” descreve o abuso do cristianismo introduzido no Império para servir a um fim não religioso, mas sim político, de enfraquecimento da índole bárbara[5]. Outro historiador inglês, Arnold Toynbee considerou que a Igreja fora “transformada no departamento de Estado, que Constantino dela pretendeu fazer, e que teria se tornado com o tempo o próprio Império Romano, se o Império não se houvesse despedaçado, nos séculos V, VI e VII da Era Cristã” [6]. Ao meu ver, se a Igreja Cristã não se transformou no Império Romano, ela certamente se transfigurou em seu reflexo oculto e permitiu ao Império transcender seu poder de uma situação para outra, do “Anno Dominatus” (Lat. Ano do Império) para “Anno Dominus” (Lat. Ano do Senhor, ou do Soberano). Em verdade a mudança foi muito sutil e passou desapercebida até para os bárbaros, que só passados séculos descobriram que tinham sido subjugados por um ardil do poder romano. 

Segundo o notável espírito crítico do escritor francês Pierre Bayle, no que diz respeito às questões religiosas (será que apenas nestas questões?) é muito fácil enganar a Humanidade e muito difícil não enganar. Escreveu ele: “O Homem gosta de preceitos e sempre encontrará mentores que serão indulgentes para com esta fraqueza... Tais mentores se farão pagar a preço de autoridade e de lucros monetários também. As naturezas mais desinteressadas verificam, quando o mal se tornou crônico, que o remédio seria pior que a doença. Estes não ousam sanar o mal; os outros não o desejariam curar. E assim o abuso se perpetua. Os desonestos o protegem; os honestos o toleram[7].

Ao final do século IV o Império Romano foi dividido em duas partes: o Império do Ocidente, com capital em Roma, e Império do Oriente, com capital em Constantinopla (antiga Bizâncio). As invasões bárbaras solaparam o poder do Império do Ocidente a partir do século V. Esse fato levou Gibbon a escrever nas últimas páginas de sua obra, que lhe fora companheira por vinte e quatro anos, aos idos de 1787: “É dever de um patriota preferir e fomentar exclusivamente o interesse e a glória da sua pátria, mas um filósofo se permite alargar suas vistas e considerar a Europa como uma grande república cujos diversos habitantes já quase atingiram o mesmo nível de civilidade e refinamento. (...) As nações selvagens do globo são os inimigos naturais da sociedade civilizada, e é lícito perguntar-nos, com ansiosa curiosidade, se a Europa ainda está ameaçada da repetição das calamidades, que outrora afligiram as armas e as instituições romanas. Talvez as mesmas reflexões sirvam para ilustrar a queda daquele poderoso império e explicar as causas de nossa atual segurança” [8]. Edward Gibbon lançava assim a semente de um pensamento discriminatório, que incitava a restringir o movimento imigratório humano, como forma a preservar o status quo de um determinado nível de civilização de uma sociedade.

Contudo, o uso do cristianismo como instrumento de coerção dos bárbaros e como forma de ligação destes à Igreja de Roma, fez com que o clero - único grupo organizado e possuidor de cultura frente à situação caótica resultante das invasões -, ocupasse cada vez mais funções políticas e administrativas nas comunidades emergentes do fragmentado Império Romano do Ocidente. A Igreja de Roma tornou-se assim a argamassa que restaurou a coalizão, fazendo ressurgir do caos a supremacia imperial romana revestida agora do manto púrpura dos príncipes da Igreja de Roma.

 Após o desmembramento do Império Romano (395 d.C.), o Império do Oriente reunia a Península dos Bálcãs, Ásia Menor, Síria, Palestina, Egito e Líbia. Preservado das invasões e das crises-sociais enriquecia grandemente com as importações de produtos do Oriente que exportava para o Império do Ocidente, o qual estava obrigado a importar produtos devido à improdutividade decorrente das invasões. Tal necessidade econômica do Império do Ocidente contribuiu para gerar contínuos déficits na balança comercial do Estado, o qual estava sendo levado à bancarrota, já que o clero obtinha grandioso sucesso em promover que grande parte da riqueza pública e privada fosse consagrada às exigências de caridade e devoção da Igreja de Roma, sem que tal soldo retornasse em benefício dos devotos necessitados na mesma proporção. Desta maneira, enquanto o enfraquecido Estado Romano do Ocidente era gradualmente destituído do seu caráter governamental, a Igreja de Roma engrandecia em poder passando a ocupar a sua função através das alianças estabelecidas por seus pontífices com os Imperadores de origem bárbara, primeiro com o Império Carolíngeo, dos francos, durante a baixa Idade Média, depois com o Sacro Império Romano Germânico, dos germanos, a partir de 936.

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O poder romano transpõe assim a queda do Estado Romano através da Igreja de Roma, vindo a se perpetuar na forma de um governo teocrático, o qual passa a submeter os Estados bárbaros formados no território anterior do Estado Romano do Ocidente. Esta fantástica transformação histórica do Império Romano no decorrer de sete séculos, em meio a um período de dramáticas convulsões, só foi possível por um único motivo: o segredo.  O segredo de tudo que girava em torno do cristianismo e o segredo de todo o conhecimento adquirido na civilização greco-romana. Em verdade a Igreja de Roma se ergue sobre o domínio destes conhecimentos como sociedade religiosa, e dentro desta uma poderosa rede de influência, que se constitui também uma sociedade secreta reunindo os altos membros da cúria, estes os verdadeiros responsáveis pelo poder político e fortalecimento da instituição aos níveis que chegaria, aponto de fazer dos reis europeus seus vassalos.

O Império Romano do Oriente (também chamado Império Bizantino) dominava as rotas comerciais que levavam ao Oriente. A dependência econômica dos povos europeus destas rotas comerciais era muito grande, acabando por ser um dos principais fatores para a insolvência do antigo Estado Romano do Ocidente. Tendo em vista tal situação a Igreja de Roma organizou uma estratégia para enfrentar e romper a dependência comercial com o Império Bizantino com o apoio dos reis europeus. 

O imperador bizantino, Basileu II, da Macedônia, levara o Império, a partir de 963, ao seu mais alto grau de prosperidade e maior extensão de domínio territorial, empurrando a ameaça árabe para as portas de Jerusalém. Com a sua morte em 1025, o Império Bizantino ficou a deriva, governado por dirigentes fracos, envolvidos mais com as querelas religiosas relativas a Igreja de Roma do que com as questões governamentais. O resultado foi o cisma do cristianismo, com ação excomungatória mútua entre a Igrejas de Roma e Constantinopla (1054)[9], que só seria anulado em 1965. Tal conjuntura permitiu que a Igreja de Roma tomasse a atitude ofensiva constituindo o movimento cruzadista. No ano de 1095, o papa Urbano II proclamou a I Cruzada, cuja finalidade alegada era tomar Jerusalém do domínio mulçumano e estabelecer uma rota para os peregrinos, contudo o objetivo ulterior era a conquista do território do Império Bizantino e com ele as rotas comerciais para o Oriente.    

A primeira Cruzada foi organizada inicialmente pelo pregador francês chamado Pedro, o Eremita, que arrastou consigo uma multidão de crentes durante os anos de 1096 e 1097, a qual chegou muito enfraquecida à Ásia Menor e foi dizimada pelos mulçumanos. A segunda expedição foi organizada por Godofredo IV de Bolonha, dito Godofredo de Bouillon, duque da Baixa Lorena, poderosamente constituída de vários exércitos militares europeus, e que conseguiu apoderar-se de Jerusalém, onde Godofredo foi proclamado rei em 1100, vindo a morrer logo em seguida. Para a manutenção do território conquistado foi criada, em 1118, uma ordem militar de cavaleiros chamada Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, que ganharia notoriedade com o nome de Cavaleiros do Templo ou Ordem dos Templários.

A Ordem dos Templários tendo como base a Palestina e os reinos europeus veio a ser em pouco tempo extremamente poderosa. Seus cavaleiros adquiririam grandes riquezas e tornaram-se os banqueiros do papa e de numerosos príncipes e reis europeus. Pode-se se dizer que eles criaram novas bases para as questões monetárias, instituindo um rendoso processo bancário, onde a “usura” não era confrontada pela Igreja, de Roma já que era contornada por um engenhoso artifício, possibilitando ao devedor esquivar-se do pagamento da divida, porquanto os Templários reteriam o direito à produção dos bens da propriedade hipotecada[10].     

  As conquistas das Cruzadas e o poder econômico da Ordem dos Templários favoreceram a supremacia papal de Roma sobre os reinos europeus, a qual se consolidou no período do pontificado de Inocêncio III (1198-1216), com a elaboração de uma doutrina em que o poder espiritual estaria acima do poder temporal, pela qual os governantes recebiam seu poder de Deus, devendo permanecer submissos ao seu representante na Terra, ou seja, o sumo pontífice[11]. A partir de então o poder político da Igreja de Roma cresceu cada vez mais, com os Papas passando a intervir nos diversos governos das nações que se constituíam na Europa.

O movimento cruzadista desencadeou também um processo de perseguição religiosa na Europa, tendo em vista a expulsão dos árabes mulçumanos que tinham se estabelecido na península Ibérica, tal perseguição passa a se estender às comunidades judaicas, que foram expulsas da França (1182) e massacradas na Inglaterra (1189). Os judeus estavam espalhados por todo o território europeu e a Igreja considerou que a única forma de expurgá-los e manter o cristianismo a salvo de toda e qualquer heresia seria com uma terrível repressão. No ano de 1233, o papa Gregório IX estabeleceu a Inquisição, que deu à Igreja de Roma o poder de vida e morte sobre todos europeus. Em exíguo tempo, como se houvesse um poder maior acima das decisões papais, os cristãos da 6ª Cruzada foram derrotados em Gaza, e os Santos Lugares de Jerusalém foram perdidos em 1244. A partir de então as Cruzadas sofreram derrotas em cima de derrotas para os mulçumanos, e em 1291 elas chegariam ao fim.

O sucesso econômico da Ordem dos Templários ultrapassou o período das cruzadas e levou ao surgimento de outras ordens, eventualmente da nobreza, desejosas de monopolizar o controle do dinheiro e das atividades bancárias. Contudo a estagnação do processo expansionista europeu resultou em problemas econômicos graves, aumentando o custo da produção, desacelerando o comércio e principalmente causou a falta de moedas devido ao esgotamento das minas de ouro e prata que existiam na Europa. Apenas a Ordem dos Templários parecia resistir à adversidade econômica, em razão da poderosa rede de influência que a ordem constituira, podendo ser o primeiro exemplo histórico da força independente de uma rede com influência política-econômica internacional.

O rei da França Filipe IV, o Belo, estava disposto a fortalecer o reino e superar a crise econômica que se abatera sobre a Europa. Aconselhado por seus juristas passou a adotar uma política de independência da Igreja de Roma, e a pagar a metade das taxas que eram devidas, em franca oposição ao papa Bonifácio VIII. Com habilidade política conseguiu fazer do seu arcebispo o novo papa, Clemente V (1305), e a sede da Igreja de Roma foi mudada para Avignon no território francês.  Em 1306, Filipe IV expulsou novamente os judeus da França e confiscou os seus bens como forma de conter o crescente processo inflacionário do comércio.

O problema econômico da França persiste, então Filipe voltou seus olhos para Ordem dos Templários, ambicionando apoderar-se de todas as suas reservas financeiras e dos seus rendosos negócios. Primeiro processou os templários judicialmente, não conseguindo os resultados ambicionados, no dia 13 de outubro de 1307, ordenou a prisão de todos os membros da Ordem dos Templários no território francês, submetendo-os à tortura para que se declarassem hereges, para serem condenados a morrer na fogueira sob autoridade da Inquisição. A Igreja de Roma, no Concílio de Viena (1311-1312), decretou a suspensão da Ordem dos Templários e excomungou os seus membros. Em 1314, o Grão-Mestre da Ordem dos templários, Jacques de Molay (1243-1314) morreu queimado na fogueira. Conta-se que antes de morrer bradou que Clemente V e Filipe IV o seguiriam na morte dentro de um ano, o papa morreu um mês depois e o rei em sete meses[12].

Filipe IV não conseguiu acabar com o poder temporal da Igreja de Roma através de sua perseguição à Ordem dos Templários, porquanto outra ordem de cavaleiros cristãos, que comungava em sua origem com a dos Templários, assumiria a mesma função junto à Igreja de Roma, vindo a receber grande parte dos bens confiscados da Ordem dos Templários.

Nascida na enfermaria para peregrinos dos padres beneditinos em Jerusalém ao tempo de Godofredo de Bouillon, em 1100, a Ordem dos Cavaleiros Hospitalária de São João de Jerusalém veio a ser mais conhecida como Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, sendo a primeira ordem de cavaleiros cristãos a ser reconhecida pela Igreja de Roma, em 1113. Pouco antes de Filipe IV iniciar sua perseguição contra a Ordem dos Templários, a Ordem dos Hospitaleiros Cavaleiros propôs a fusão com a Ordem dos Templários, o grão mestre templário Jacques de Molay foi veemente em sua negativa à proposta. Mas, os hospitaleiros alcançaram por outras vias o objetivo tão ambicionado[13].  Com a perda de Jerusalém para os mulçumanos, a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários se estabeleceu na Ilha de Rodhes, em 1310, mudando de nome para Ordem dos Cavaleiros de Rodhes. O recebimento dos bens dos Templários, em 1312, fortaleceu grandemente a ordem dos Cavaleiros de Rodhes e seus vários braços de atuação estabelecidos na Itália, Espanha, França, Inglaterra e no Sacro Império Romano Germânico. Em 1530, com os auspícios do papa Clemente VIII e do imperador do Sacro Império, Carlos V, a ordem se fixou na ilha de Malta, adotando o nome de Ordem Hospitalária de Malta, tornando-se presente até os nossos dias, com tal relevada importância que possui observadores formais nas Nações Unidas.

Os cavaleiros da Ordem dos Templários apesar de terem perdido o prestígio da posição oficial que ocupavam não tiveram a rede de influência em si desfeita, ao contrário eles contaram com apoio de muitos reis europeus que os asilaram, o que permitiu que os templários adquirissem um novo perfil, mas conservando a essência dos procedimentos que tornara a ordem tão poderosa e continuassem a exercer constante influência no destino europeu.    


[1] Walter.B. Pitkin – “Breve Introdução à História da Estupidez Humana” – Ed. Prometeu – pg.15.
[2] Walter.B. Pitkin – “Breve Introdução à História da Estupidez Humana” – Ed. Prometeu - pg. 231.
[3] Guy Sorman – “À espera dos Bárbaros” – pg. 49.
[4]  Idem – pg.50.
[5] Edward Gibbon –   “The Portable Gibbon” – The Viking Press, Inc - 1952
                                  “Declínio do Império Romano” – Edição Abreviada – Companhia das Letras – 1989 – pg. 443-444.
[6] Arnold Toynbee – “An Historian’s Approach to Religion” – Oxford University Press – 1960
                                  “A Religião e a História” - Ed. Fundo de Cultura S. A. - RJ - pg. 160-163.

[7] Pierre Bayle – “Dicionário Histórico e Crítico” – Vol. I pg 89 b – tema: Agar (personagem bíblica, concubina Abrão, mãe Ismael).
[8] Edward Gibbon –   “The Portable Gibbon” – The Viking Press, Inc - 1952
                                  “Declínio do Império Romano” – Edição Abreviada – Companhia das Letras – 1989 – pg. 444.
[9] Igreja Bizantina ou de Constantinopla, também conhecida como Igreja Grega e atualmente como Igrejas Ortodoxas Orientais.
[11] Raimundo Campos – “História Geral” - Atual Editora – 1981 – Vol. I – pg. 126.
[13] The books by Gilles C H Nullens  Catholics, Heretics and Heresy – Psrt 2: The Templars 2.7 Modern View.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

II - O CARÁTER DAS REDES DE INFLUÊNCIA




            Se observarmos as pessoas de sucesso em sua excelência profissional, nós descobriremos que quase a maioria delas é inteiramente dedicada a obter sucesso no que fazem. Nós perceberemos, também, que aparentemente estas pessoas possuem uma incrível pluralidade de interesses. Não são do tipo que vão do trabalho para casa e da casa para o trabalho. Sempre estão em contato com outras pessoas, sempre estão trocando informações, interagindo ativamente com a sociedade em que vivem, trabalhando em tecer a própria “rede” de relações cujos interesses se confluem. Ou ainda, pertencem a uma “rede” estabelecida.

            Como “redes estabelecidas” eu defino todas as organizações que reúnem pessoas com algum intuito ou atividade comum, tais como; as instituições econômicas e financeiras, os centros educacionais, as sociedades religiosas e beneficentes, as organizações não-governamentais, as sociedades de classe, reuniões de partidos políticos e até a pratica de esportes. Por exemplo, atualmente no Brasil está em voga o golfe. Campos de golfe estão sendo construídos por todo o país e o milionário norte-americano, Donald Trump é o grande investidor que está implementando este rentável negócio, estabelecendo várias parcerias e ao mesmo tempo aproveitando para montar uma notável rede de influência no Brasil. Se alguém me perguntasse por onde começar sua rede, eu diria: “- Se você tem dinheiro disponível, vá aprender a jogar golfe,  ajudará a você fechar ótimos negócios!”.

            A redes hoje possuem importância fundamental, é difícil para um executivo que tenha uma boa rede de relações ficar desempregado, mas se ele ficar esta rede funcionará como uma perfeita e eficiente agência de empregos e não demorará a estar empregado novamente. Mas, não basta se ter uma boa rede, é necessário conhecer bem a sua rede, saber como ela se interliga a outras. Sim, porque de alguma maneira todas as redes sociais se interligam e se tecem uma às outras, em seus níveis de influencia.

            Para compreender como funciona uma rede de influência sugiro que se pegue um papel, coloque o próprio nome no meio e puxe uma linha para cada relação estabelecida com outra pessoa, a partir dessa pessoa coloque as relações que estão ligadas a ela e assim por diante, será possível perceber que existem vários níveis de relações, os mais próximos e outros mais distantes, todavia é certo que todos os nomes pertencem à mesma rede e que em alguns casos ocorre uma interligação com outras redes de influência.

             Conhecida a rede, é preciso administrá-la para fazer uso dela. O primeiro passo é fazer a ficha de cada participante, colocando todas as informações que se possa conseguir dele, desde a data de nascimentos até o nome do gato, pois quanto mais se sabe de uma pessoa mais subsidio se terá para utilizar a influência disponível desse contato e investir no estabelecimento de uma relação de confiança profícua, algo fundamental para o bom funcionamento da rede. Esse será o primeiro passo para ser um bom "tecelão" de redes.

            O segundo passo será criar laços de confiabilidade, as pessoas precisam saber o que podem esperar uma das outras, só assim se criará um clima de contribuição e empatia recíproco. Para isso as regras da boa educação serão de grande valia, pois foram feitas exatamente para isso. O terceiro passo é ter interesse nos parceiros, demonstrar atenção e também ter comprometimento com a relação estabelecida, pois um dia certamente terá a sua devida utilidade.      

            Tenha-se atenção na ocasião da entrada de um novo membro na rede, todo cuidado é necessário, pois o processo de conquista de confiança e de sedimentação da relação precisa ser conduzido conscienciosamente, já que qualquer deslize poderá ocasionar a perda do novo contato. Afobação, adulação, insistência, indiscrições e falta de educação poderão comprometer um bom resultado. É preciso ter em conta que as pessoas possuem diferentes conveniências, necessidades e interesses. E que estes três aspectos são os responsáveis pelo fato de aproximar ou afastar as pessoas.

            Administrar uma rede não é tarefa fácil, só com dedicação ela se manterá viva.  Uma rede pode morrer pelos mais variados motivos, entre eles estão: a incompetência administrativa da rede, escândalos que comprometam a rede ou a carência de informações que possibilitariam seu pleno funcionamento. Contudo, as perdas financeiras são o motivo mais comum e irremediável da falência de uma rede. Outro motivo é o estabelecimento em um local desconhecido, que obrigará a formação de uma nova rede local. Neste caso é preciso investir o máximo possível para obter informações sobre as pessoas e redes de influências. É um perigo desconhecer as redes influências locais, porquanto estando descoberto, seja em caso institucional ou pessoal, fica-se à mercê dos embusteiros e sujeito a armadilhas perigosas.

            Durante a Guerra Fria os agentes de inteligência dos serviços secretos eram treinados na arte de coptar informantes, ligando eles ao esquema montado de informações. As táticas obedeciam a um estreito conhecimento dos padrões de comportamento humano. É curioso que há mais tempo do que se pode imaginar tais procedimentos são empregados nas mais importantes redes de influência do mundo, porquanto estas redes necessitam sempre de elementos novos em razão de novas necessidades ou de novos interesses, ou ainda em razão do tempo de vida de seus membros, as pessoas morrem, não? É importante tomar conhecimento de como isso acontece, seja para usufruir o emprego desta ação, seja para se defender dela.

            Como exemplo de "como" uma rede pode agir para estabelecer uma nova ligação, eu apresentarei o relato de um caso simples passível de ocorrer com qualquer pessoa. O personagem principal desse enredo é o “head-hunter” (caçador de cabeça), pode ser descrito como o indíviduo que anda pelos meios sociais em busca de pessoas “interessantes” e se possível “brilhantes”, que possam se tornar um “player” (ator) em determinado cenário, seja este cenário político, empresarial, docente, artístico ou outros. O head-hunter não tem idade nem gênero, pode ser alguém que você conheça por acaso, ou que trabalhe na mesma área de atuação, ou encontre em algum evento social, ou até um amigo, mas é possível identificá-lo pelas atitudes. Ele estará procedendo segundo o velho manual dos serviços de inteligência.

            Se você se tornar alvo de um head-hunter, saiba que antes de se aproximar de você ele já vai ter sua ficha completa, pois a esta altura ele já se informou de sua vida por inteiro. Sabe tudo de você, o que você gosta e o que você não gosta, quais são seus hábitos, o que come, o que bebe e etc, literalmente tudo. Ele conhecerá perfeitamente a sua rotina. Ele vai planejar um encontro com você.  Se você for o tipo de pessoa sociável, ele o encontrará em algum dos ambientes que freqüenta, e se aproximará dizendo, por exemplo: “- Estive com Fulano (grande amigo seu) e ele me contou do sucesso que você teve em tal negociação...”. Pronto, ele lançou a isca, você engoliu e foi fisgado.  Se você não é do tipo sociável, mas costuma dar uma corridinha saudável todo dia, vai ser muito mais fácil e vão acabar correndo junto. Mas, se você for do tipo ermitão,  que vive enclausurado, não pense que estará livre dele, pois na primeira chance ele estará ao seu lado, seja quando for comprar jornal ou levar o cachorro passear, e você se encantará com aquela pessoa tão simpática, tão interessada em você.

            Passada a fase do primeiro encontro, chega o momento de cortejar, do mesmo modo que ocorre na conquista amorosa será a hora de conquistar a sua confiança. Se você foi ao banco e ele chegou depois de você, não é obra do acaso, nunca acredite em coincidências. Ele estava seguindo você, esperando a hora mais oportuna de abordar você. O head-hunter sempre chegará depois de você nos lugares públicos. A conversa estava tão interessante no banco, que vocês irão tomar um cafezinho. Aí, ele vai falar da possibilidade de um negócio para você ou de conseguir alguma coisa que você vem tentando muito conseguir, mas não consegue. Marcam um almoço no dia seguinte para conversarem melhor. No almoço ele conta que tudo “milagrosamente” deu certo, ou o negócio vai ser fechado ou ele conseguiu o que você precisava. Afinal, ele não poderia falhar, não estamos falando de conquista de confiança? Pronto, ele conseguiu que você ficasse devendo um favor a ele e caísse na “rede” dele, todavia você pensou apenas no quanto era sortudo de encontrar alguém tão útil aos seus interesses como ele.

            Agora ele precisa introduzir você na “rede de influência” em questão. Então combinam encontrar num bar muito freqüentado pelo happy-hour. Você chega e já o encontra  sentado com outro amigo, que apresenta a você. Em dois segundos são como velhos amigos, só que você não desconfiará nem por um minuto que ele será a sua “sombra,” aquela pessoa que se tornará suficientemente próxima de você para passar a outros elementos da rede as informações confidenciais da sua vida.

            Quando os laços de confiança estiverem verdadeiramente selados e a sua ficha devidamente aprovada pela “rede”, ao tempo determinado você será devidamente introduzido nela, tendo conhecimento disto ou não. Você foi caçado. Se você tiver consciência do que está acontecendo poderá decidir se a rede serve aos seus propósitos ou não, se pretende permanecer nela ou se retirar. Mas, se você não tem consciência e fica deslumbrado com suas novas amizades, e até acredita nelas, você estará sujeito a ser literalmente usado para os objetivos da rede sem ganhar nada com isso, ou se meter numa tremenda encrenca, que poderá afetar a sua vida de maneira desastrosa, porque toda “rede de influência” tem poder, e quanto maior o poder de influência maior também é o poder decisório dela na sociedade. Assim, lembre-se sempre, que a rede pode alçar o status de quem quer e também pode derrubar qualquer um ao seu bel prazer. 

            Quem já foi alvo desse tipo de ação cria o hábito de não confiar em ninguém, muito menos vai acreditar em milagres da sorte e cria o bom hábito de colher informações antes de se envolver em qualquer coisa. Uma certa dose de paranóia nos dias de hoje é muito salutar. Sobretudo porque parte deste procedimento, acima descrito, também está sendo usado em organizações criminosas para assaltos, seqüestros, tráfico de drogas e outros. Mas, também é largamente empregado na espionagem industrial, financeira e empresarial. De qualquer maneira este conhecimento ajuda a manter um estado de alerta para evitar tanto a excessiva confiança como uma perigosa ingenuidade.

          Desde que o mundo é mundo, o processo civilizatório apresentou-se como uma verdadeira batalha de interesses, onde anjos e demônios da civilização serão consagrados pela História segundo os conceitos daqueles que detêm o poder da informação. Basta dizer que até a poucas décadas a cristandade católica satanizava figuras como Galileu, Voltaire, Spinoza e tantos outros sábios que ousaram pensar de maneira contrária aos termos vigentes de suas épocas. É verificável que a História se escreve através dos embates e conflitos das redes de influências, são elas a força propulsora que move a civilização, e se deve aos que tecem suas tramas tanto o progresso como o atraso da civilização. 

        O exemplo que dei dos campos de golf do Donald Drump é um microcosmo de uma disputa de espaço para os tecelões trabalharem suas redes de influência, mas o mesmo caso pode ser encontrado em campos mais amplos, com interesses ainda mais vultuosos, que são passiveis de uma internacionalização das redes, que de maneira intrigante e fantástica é capaz de mudar o mundo, fato este que só uma visita ao passado das redes nos revelará.       


sábado, 22 de outubro de 2011

I - O MUNDO EM QUE VIVEMOS



          No passado o mundo era constituído de várias civilizações com costumes e modos diferentes. O mundo era dividido em vários países, e estes países conjuntamente com as suas populações constituíam as Nações. Cada sociedade tinha a sua própria estratificação social, umas mais fortes outras menos. Antigamente era comum haver nos países uma aristocracia familiar. O nome de uma pessoa poderia significar muita coisa ou nada. A reputação da tradição de uma família se sobrepunha aos bens materiais que pudesse deter, e era assim em todo o mundo.

            Nos estudos de geografia, história e sociologia, era possível estudar as camadas sociais em forma piramidal. A base era constituída da força de trabalho em grande número de indivíduos, depois se seguia às camadas dos proprietários, dos militares, das elites intelectuais, religiosas e políticas conforme a importância que tinham em cada sociedade e no topo da pirâmide estaria invariavelmente o governo da sociedade. Mais tarde, essa configuração piramidal foi modificada em classes: a classe baixa, a classe dos trabalhadores, a classe média e a classe alta que era constituída pelos proprietários de capital e dirigentes da Nação. Esta nova estratificação deu origem ao que se chamou “luta de classes” baseada nos conceitos comunistas de Karl Marx. A partir deste momento a estrutura social começou uma trajetória de surpreendentes mudanças transformadoras de seu conceito original.

            A suposição de Marx foi baseada na segunda Revolução Industrial da Inglaterra, dentro da perspectiva de que as classes trabalhadoras tomariam o poder, e só obteve sucesso em países que paradoxalmente não tinham uma economia baseada na indústria, como no caso da Rússia, da China e de Cuba. Em verdade estes países se industrializaram posteriormente as revoluções comunistas e construíram artificialmente uma sociedade proletária aplicando os conceitos marxistas. Nos países industrializados, apesar do fortalecimento sindical, a mudança social resultou de um crescente capitalismo, que em razão do poder aquisitivo e consumo de bens dos indivíduos veio a estabelecer um novo conceito de classe social divididas em: A, B, C e D.

            A produção de bens passou a ser dirigida para atender as novas classes consumistas conforme os seus gostos e necessidades, fazendo surgir os produtos populares, os produtos utilitários, assim como os produtos de grife, exclusivos das classes abastadas, designadas como classe A. Conseqüentemente as marcas de produtos viraram símbolos de qualidade, a ponto de um produto de grife ser de tal maneira caro passando a ultrapassar grandemente o seu valor real.

            Na sociedade consumista a arte da venda de produtos passa a ser fundamental à contínua prosperidade produtiva. Os meios de comunicação tornaram-se notáveis veículos de vendas, surgiram os criadores de tendências esmerados na habilidade de manipular o público com campanhas publicitárias de novos produtos, de novas modas, e de novas necessidades, fazendo do “novo” um ato cotidiano. Esta situação alimentou um capitalismo predador permitindo que fortunas fossem feitas da noite para o dia, e sujeitas a desaparecerem do mesmo modo. Em pouco tempo o dinheiro passou a mudar de mão tão rápido que o rico de um dia podia ser o novo pobre de amanhã. O mundo assim virou um grandioso cassino, com as bolsas de valores subindo e descendo sem aviso prévio ou motivo e as indústrias, empresas, bancos podendo ser comprados, vendidos, incorporados de uma hora para outra. Os proprietários reais do capital agora são invisíveis. É o mundo em ebulição. O tal do Mercado, caprichoso e cheio de humores, é razão de tudo, seja para o bem, seja para o mal. Ninguém sabe quem são os responsáveis por tanta volubilidade, afinal nem todo mundo tem US$ 500 dólares para assinar a Forbes e ter acesso a mais prestigiosa publicação sobre este vai e vem de fortunas de um lado para outro. Apesar de que, em verdade, a Forbes não conta tudo, pois afinal o público dela pertence à elite mundial, a qual não tem o menor interesse de ver seus segredos revelados, pois se enriquece cada vez mais com a desinformação que grassa pelo mundo. A Forbes publica apenas o que esta elite deseja que seja divulgado publicamente.

            Em tais circunstâncias ocorreu o que antes era impensável: os governos perderam gradativamente o poder e a importância. O exercício do poder governamental passou a ser cada vez mais limitado pelos interesses econômicos: interno e externo, e também pelo mercado financeiro mundial. Não é de admirar que os governantes de países onde o foco do mercado seja muito intenso, tais como os Estados Unidos, a Inglaterra e o Japão, saiam de seus cargos precocemente envelhecidos após o exercício de seus governos. Os conflitos entre os interesses nacionais e os interesses internacionais são grandiosos e de difícil negociação. Geralmente costumamos culpar os governantes dos descaminhos do país, mas nem por um momento se tem a consciência da situação complexa em que este governante se encontra, vivendo quase sempre como se diz popularmente entre a cruz e a caldeirinha. Analiso que estas pessoas não calculam o quão espinhoso é o cargo que ambicionam, pois estão atraídos pelo glamour do poder que as cadeiras presidências representam no imaginário de cada um. Estas pessoas acreditam que vão poder fazer isto e aquilo, solucionar os problemas nacionais e fazer o país progredir, contudo quando chegam lá descobrem que não é bem assim, e que existe uma variedade incalculável de considerações para cada decisão a ser tomada, porquanto sempre são inúmeros os interesses envolvidos. Há sempre muita mais em jogo do que se pode pensar e qualquer decisão descuidada pode transformar de um momento para outro um país num castelo de cartas, pronto a cair ao mais leve sopro.

            O motivo dos governos não deterem mais o poder que possuíam reside no fato de que o mundo se transformou numa reunião das mais diversas pirâmides dos setores representativos da sociedade mundial, como se pode visualizar na figura abaixo.



  
            Podemos observar que na figura existem vários triângulos, cada um com uma área de representatividade. O degrade das cores de cada triângulo corresponde à importância social e nível econômico estratificado (A, B, C, D), quanto mais escuro maior o nível econômico e influência. O centro reúne os topos dos triângulos, também reúne a elite de cada área de atuação demonstrando a estreita proximidade das relações existentes entre elas. Na faixa externa encontra-se o nível econômico da informalidade, desempregados e pessoas que sobrevivem sem uma ligação formal com os meios produtivos e excluídos dos processos produtivo, de consumo e social. Nesta representação não foram considerados aqueles indivíduos inseridos em atividades de contravenção, pois estão envolvidos em todas as camadas sociais e em todas as áreas de atuação produtiva, não podendo desta maneira ter uma área distinta.

            É observável que só algumas áreas de influência da sociedade contemporânea relacionadas à atividade econômica que exercem estão representadas. Na Mídia, foram incluídos os serviços de comunicação em razão que são interativos. Na Energia está incluso além do sistema de extração, produção e distribuição, também os meios de transporte, pois dependem da energia.

            Pode causar estranheza a presença das áreas de Religião e das Organizações Não-Governamentais (Ongs) como participes neste contexto. Considerei a Religião como área de atuação econômica que reúne todas as religiões. Esta área passou a fomentar um crescente processo de produção de bens e decorrente consumo dos mesmos. As novas religiões evangélicas possuem consideráveis capitais, o esoterismo movimenta um comércio de tendências considerável, enquanto o Islamismo tem tido uma representatividade econômica que não pode ser desconsiderada, podendo seu atual poder econômico ser comparado ao do poder financeiro ligado ao Judaísmo.

            Por sua vez as Ongs passaram a exercer uma notável influência na economia, configurando o chamado Terceiro Setor, já que o primeiro seria o Público e o segundo o Privado. Como veremos adiante as Ongs ao reunirem representantes de todas as áreas e camadas sociais passaram a influir no setor Público. As Ongs são responsáveis pela formação progressiva das redes de influência, capazes atualmente de grande interferência e ingerência nos governos, ocupando áreas de atuação cuja representatividade governamental seria mais adequada e bem vinda.

            Pode-se observar também que não inseri na figura a representação da área política, a razão disso é que se pode constatar que dentro processo democrático moderno a representatividade política está mais ligada aos interesses econômicos do que aos interesses do povo. Os políticos contemporâneos adquiriram um perfil mais de “produto” dos laboratórios de marketing do que defensores de políticas públicas, que forneçam ao país meios de progredir e se desenvolver. Ousaria dizer que a Democracia da maneira como está se apresentando é pífia, servindo apenas aos objetivos de seus patrocinadores. Esta situação se formou por dois motivos; nos paises desenvolvidos por falta de responsabilidade dos indivíduos no exercício do voto, e nos países do terceiro mundo ocorre por falta de confiança dos eleitores nos políticos, que desconsideram suas promessas de campanha ao ocuparem os cargos eletivos. Em ambos os casos a principal causa é o baixo nível de informações dos eleitores, presas fáceis da manipulação do marketing das campanhas eleitorais.         

            A notável falta de seriedade política em todo o mundo democrático faz com que pululam escândalos de mau gerenciamento tanto do poder público e mais ainda dos cofres públicos, além da crescente corrupção. A má informação durante o período eleitoral, a guerra de denúncias pouco confiáveis e as campanhas publicitárias massacrantes, impedem os eleitores de terem uma real imagem do caráter dos candidatos e acabam votando mal e elegendo para dirigentes pessoas descomprometidas com as necessidades da população. Não é a Democracia um sistema de governo insatisfatório, são os indivíduos que não querem realmente ter qualquer dever com o exercício democrático, objetivando apenas usufruir os benefícios aparentemente oferecidos pelos políticos em suas campanhas.

            Este descaso democrático está permitindo que pouco a pouco tome forma um novo sistema de governança, onde o setor privado passa a ter uma presença cada vez maior no gerenciamento governamental, a ponto de interferir e comprometer a decisões que caberiam apenas aos governos. Ora, os governantes é que foram eleitos para exercerem o governo, os parlamentares é que foram eleitos para votarem em nome do povo, não pode ser aceitável que quem não foi eleito venha a tomar decisões que são pertinentes tão somente aos eleitos para os cargos públicos.

            Se os governantes não governam segundo as necessidades e interesses das Nações a que pertencem, é cabível perguntar quem então está governando. A resposta a esta pergunta é complexa, sobretudo porque é difícil aceitar a ausência de poder do povo de decidir os caminhos do seu país, mais difícil ainda é aceitar a obscenidade de que atualmente o verdadeiro Governo do mundo está nas mãos de algumas centenas de pessoas desconhecidas.   Tendo em vista que tal situação seria mais própria da imaginação de um escritor de livros de ficção do que uma realidade palpável e verídica. É plausível pensar que seja impossível, pois seria absurdo para a maioria das pessoas pensar que fosse assim, contudo negar o que está a cada dia mais claro aos nossos olhos seria uma atitude insensata.

            Defendo a idéia que a pior verdade é melhor que qualquer mentira, pois com a verdade podemos lidar, buscar soluções para o problema, redirecionar as ações, rever planos, enquanto que a mentira além de ser um engodo, não oferece nenhuma escolha, e sempre há de resultar num problema maior a longo ou curto prazo, com certeza. Também acredito que existem situações que não podem ser mudadas e devem ser aceitas. Aventuras quixotescas não têm lugar nos dias de hoje, onde se luta uma batalha por dia para manter o lugar ao sol, tal é a competitividade profissional. Ilusões de bondade e altos ideais humanitários ficam bem em livros e discursos, mas todos nós sabemos como é árduo ganhar o pão de cada dia e qual é o real valor do dinheiro em nossas vidas. Sabemos que se não formos à luta ninguém irá por nós. Por este motivo temos que conhecer melhor os métodos utilizados por quem conseguiu multiplicar de maneira formidável os seus recursos iniciais, e galgar níveis de influência cada vez mais altos.

             

OS TECELÕES


                                                     
            Prefácio
                                                     


            O primeiro fato mundial que teve forte repercussão em minha vida cotidiana foi o assassinato de Jack Kennedy, em 22 de novembro de 1963. Eu tomei conhecimento de sua morte inesperada enquanto assistia ao meu programa favorito na TV Excelsior (hoje TV Globo). Caí em perplexidade, pois jamais imaginara que naquele país perfeito, exemplo de democracia e progresso, um governante tão digno pudesse ser assassinado daquela maneira. Para mim, mais que um ídolo JK era a imagem de um grande líder, de um verdadeiro presidente, uma imagem que me foi abruptamente destruída.
           
            Desde de que o presidente Juscelino Kubitschek, o nosso elegante JK, passara a faixa presidencial para a excêntrica figura de Jânio Quadros em janeiro de 1961, enquanto nos Estados Unidos o charmoso presidente John Fitzgerald Kennedy, o JK deles, chegava à Casa Branca, eu do alto dos meus oito anos embalados pelo poema de Casimiro de Abreu, elegi Jack Kennedy o presidente mais desejável deste mundo. A sua morte marcou a perda da minha infância e a eclosão do caos no Brasil.

            É necessário que se faça um prelúdio dos acontecimentos que ocorreram durante o breve exercício presidencial de Jânio Quadros e suas conseqüências para compreender como este acontecimento distante veio a afetar dramaticamente o mundo em que eu vivia.

            Jânio Quadros ao assumir o poder estabeleceu uma política interna de austeridade conforme as diretrizes ditadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o que resultou numa economia de recessão. Ao mesmo tempo implementou uma política externa arrojada ultrapassando os limites das relações internacionais convencionadas extra-oficialmente pela Guerra Fria.  Naqueles dias uma situação critica se configurava com a possível invasão de Cuba pelas tropas norte-americanas, a fim de destituir o dirigente comunista cubano Fidel Castro. A missão secreta da Baía dos Porcos, de abril de 1961, articulada pela CIA e o Pentágono, não resultaria num estrondoso fracasso assumido posteriormente por Kennedy.  Apesar disto, o objetivo de remover Castro do poder não viria a ser abandonado pelos anticastristas cubanos e norte-americanos. Em conseqüência duas tendências se estabeleceram entre aqueles que exerciam influência no governo norte-americano, de um lado os “falcões” que desejavam a guerra com Cuba e o endurecimento das relações com os comunistas, de outro os “pombos” liderados por Bob Kennedy, irmão de Jack, que eram contra a guerra e a favor de uma política de entendimento e negociações no contexto da Guerra Fria.

            É neste delicado cenário que Jânio Quadros toma atitudes temerárias, condecorando membros do governo soviético e o astronauta Yuri Gagárin; entregando a Ordem do Cruzeiro do Sul a Che Guevara; saindo em fotografia abraçado com Fidel Castro e mandando o vice-presidente João Goulart em missão oficial à China comunista de Mao Tse-Tung. Com tais atitudes Jânio acabou como capa da conceituada revista norte-americana Time, numa reportagem que no meio jornalístico é tida como do tipo “bate e assopra”. Na qual foi relatado que Jânio ao ser perguntado por Adolf Barle Jr., assessor para assuntos latino-americanos de JK, qual sua posição quanto à questão cubana, teria o presidente do Brasil respondido sem o menor tato: “Ao Brasil repugna a intervenção em qualquer país, sob qualquer forma: política, econômica e militar”. [1]

            Não se passariam mais de dois meses após a publicação da reportagem e no dia 25 de agosto de 1961, Jânio apresentou a sua renunciou a presidência, alegando que “forças ocultas” estavam impedindo o exercício do seu cargo. Na verdade influenciado pelas idéias comunistas urdira ele próprio uma “conspiração”, que lhe permitisse voltar ao poder nos braços do povo e legitimar a ampliação de seus poderes. Ele contava para isso que seu vice, João Goulart, não tivesse o apoio necessário para ser empossado no cargo. Fato é, que a estratégia do seu golpe não deu certo e João Goulart assumiu a presidência após uma breve turbulência, no dia 05 de setembro de 1961, contando com apoio inesperado dos militares, coisa que Jânio jamais supunha poderia acontecer.

            João Goulart deu continuidade a uma política externa não alinhada aos EUA e aberta às nações socialistas que se opunham ao chamado imperialismo americano. Num primeiro momento, o governo Goulart foi envolvido nas questões políticas da campanha do plebiscito, para a escolha entre o parlamentarismo e o presidencialismo como forma do governo brasileiro. Em meio de tais querelas políticas, a linha de tendência do governo Goulart ficaria indefinida. O que permitiu que, em 1962, o embaixador norte-americano Lincoln Gordon reportasse em um telegrama ao Secretário de Estado norte-americano, Dean Rusk, a seguinte opinião: “João Goulart provou ser [um] político inteligente, capaz e desejoso [de] vencer uma oposição em longo prazo com base [em] objetivos moderados, de aparência responsável (...) Por bem ou por mal, João Goulart está provando ser [o] único líder no cenário atual, em torno do qual pode ser formada [uma] eficaz coalizão de forças políticas centristas”. [2]
           
                  A análise feita pelo embaixador Lincoln Gordon se comprovaria totalmente errada. Em 06 de janeiro de 1963, finalmente ocorreu o plebiscito que resultou no retorno ao presidencialismo e deu ao presidente João Goulart plenos poderes para governar e solucionar os problemas econômicos e sociais que recrudesciam no país. A partir de então, João Goulart passou a trabalhar para implementar um plano econômico elaborado pelo economista Celso Furtado, colocando em prática as “Reformas de Base” como ficou popularmente conhecido. Nesse processo o presidente se aproxima mais e mais das forças de esquerda que se fortaleciam grandemente, promovendo constantes greves e protestos reivindicatórios, enquanto a direita conspirava um golpe de Estado granjeando a simpatia crescente dos militares. Contudo, em 4 de outubro de 1963, na tentativa de retomar o controle da ordem social e política do país, Jango Goulart enviou ao Congresso um pedido de “estado de sítio” por trinta dias, encontrando uma oposição unânime, porquanto os congressistas de esquerda e de direita viram na atitude do presidente uma tentativa de obter mais poder e desconsiderar tanto facções políticas de esquerda como de direita.

            Enquanto isso nos Estados Unidos, o presidente Kennedy buscava um novo entendimento na relação Soviética-Americana. Por ocasião da ofensiva soviética de tentar implantar uma zona de mísseis nucleares em Cuba, Kennedy ordenou a instalação de uma quarentena militar naval e aérea nas cercanias da ilha cubana, em 22 de outubro de 1962. Podendo ser considerada esta ocorrência a mais grave da Guerra Fria, onde a paz era mantida por um fio e a temida Guerra Nuclear parecia iminente (para alegria dos “Falcões). Contudo, Kennedy consegue um vitorioso acordo com Primeiro Ministro Soviético Nikita S. Khrushchev, que ordena a remoção dos mísseis em 28 de outubro. No dia 02 de novembro Kennedy anunciou que as bases de mísseis soviéticos em Cuba tinham sido desmanteladas. A partir desta negociação Kennedy intensificou as conversas com Khrushchev. E, em 25 de julho de 1963, ele assinou o primeiro tratado de controle de armas nucleares da Guerra Fria com a União Soviética e Grã-Bretanha: onde foram banidos todos os testes nucleares, exceto os clandestinos. Ele também acordou a instalação da “hot line” (linha telefônica segura) para comunicação instantânea entre a Casa Branca e o Kremlin e aprovou a venda do excedente da produção de trigo norte-americana para a URSS (uma inegável vitória dos “Pombos”). [3]

             Após o assassinato de John Kennedy, em Dallas, seu vice-presidente Lyndon B. Johnson foi empossado na presidência dos Estados Unidos e Dean Rusk foi por ele mantido no cargo de Secretário de Estado [4]. A partir deste momento no Brasil a ideologia de esquerda como um rastilho de pólvora desencadeia conflitos crescentes em todas as camadas da sociedade brasileira; dividindo, confrontando, subvertendo e fazendo crescer a irracionalidade dos rancores. Em 27 de março de 1964, o embaixador Lincoln Gordon escreveu num memorando ultra-secreto: “Minha conclusão é que Goulart se acha agora definitivamente envolvido numa campanha para conseguir poderes ditatoriais (...) A finalidade não é (...) fazer reformas econômicas e sociais construtivas, mas desacreditar a Constituição atual e o Congresso”. [5]
  
                  Os tanques tomaram as ruas anunciando um golpe de Estado, uma Revolução. Era o dia 31 de março e, no dia 02 de abril de 1964, Jango Goulart abandonou a presidência da República, passando a viver refugiado no Uruguai. Mais um golpe de direita se somava a outros já ocorridos desde 1961 na América Latina, com a instalação de ditaduras militares patrocinadas pelos norte-americanos.

            A derrubada de João Goulart foi conspirada, planejada e realizada não apenas por civis e militares brasileiros, devendo-se considerar neste aspecto que por todo o tempo os EUA monitoraram a evolução dos acontecimentos e forneceram secretamente apoio logístico e armamento para o levante direitista, apesar de não existir comprovação disto, já que os documentos comprobatórios, que possivelmente existam, tiveram o sigilo prorrogado com selo de “Ultra-Secreto” por mais algumas décadas pelo Congresso Brasileiro no presente ano de 2005.

            Os EUA chegaram a preparar no dia 31 de março uma missão militar secreta de codinome “Brother Sam”, pois havia expectativa que o confronto evoluísse para uma guerra civil. A missão foi posteriormente cancelada, em razão de não ter ocorrido uma reação armada dos comunistas a favor do presidente João Goulart. Acredita-se que isto ocorreu porque a esquerda brasileira não contou com o esperado apoio dos companheiros cubanos ou soviéticos. E, nem poderia ter esperado tal apoio, em razão do recente acordo estabelecido entre os Estados Unido e a União Soviética, o qual indiretamente afetava os planos de Fidel Castro. Se a esquerda brasileira tivesse analistas de informações competentes para alertar que o movimento estava fadado ao fracasso naquelas circunstâncias, a direção da esquerda certamente não teria se arvorado em tal aventura, que em verdade favoreceu a tomada do poder governamental pelos militares, colocados pela própria esquerda no papel de salvadores da Pátria.

            Em razão da patente fraqueza da esquerda brasileira foi possível que uma ditadura militar se instalasse sem o menor esforço.E com a ditadura veio também um curioso estado de utopia. A União Soviética era pintada com cores satânicas aos olhos do mundo Ocidental democrático, todavia a ditadura militar soviética parecia ser um exemplo a ser seguido por nossos ditadores militares, só que dentro de um sistema dito como capitalista, mas sem liberdade e direitos civis. A resistência da esquerda à ditadura se resumia em táticas de guerrilha, que foram facilmente debeladas, e ações terroristas que só serviram para endurecer ainda mais o regime de exceção, além de retardar o retorno ao estado democrático, justificando a presença dos militares no poder. Em Paris, alguns refugiados políticos e intelectuais brasileiros poderiam ser vistos reunidos no “Relais” do hotel Plaza-Athénée, se entretendo em planejar um retorno futuro da esquerda ao poder a comentar entre si entre uma taça de champagne e outra: “- O mal do Brasil é ter uma esquerda tão burra!”.

            Enquanto o teatro militar de “ordem e progresso” se desenrolava, toda livre expressão de pensamento era oprimida sob a ameaça de prisões indiscriminadas, violências e torturas. Ao mesmo tempo, toda uma onda cultural alienígena começou a atingir uma juventude ingênua e desinformada, que facilmente ficou cativa de um espírito de independência pessoal que permeava as novas idéias anglo-saxônicas, que com suas musicas, trajes e modos, tinham por fim subverter toda uma geração, tornando a escrava de uma ideologia enganosa de fáceis prazeres oferecidos, sobretudo pelas drogas, que preconizava uma inaudita revolução cultural. Assim, as liberdades democráticas e as escolhas individuais eram oprimidas, enquanto do outro lado era oferecida numa bandeja de prata uma ilusão de liberdade com todas as ferramentas necessárias para a autodestruição.

            O resultado disso para o Brasil foi desastroso e aniquilador, porquanto toda uma geração de jovens que deveria ter sido educada para levar o Brasil ao terceiro milênio foi praticamente dizimada, muitos morreram, alguns enlouqueceram, outros tiveram seus ideais aniquilados e tantos mais foram impedidos de desenvolverem suas qualidades profissionais. Os que escaparam em sua maioria pertenciam a uma elite abastada, e simplesmente passaram a ocupar posições por questões hereditárias, nem sempre tendo mérito para a função que exerciam. Naturalmente, algumas pessoas talentosas escaparam, contudo passaram a servir interesses estrangeiros, que não contribuíam em nada para o fortalecimento do país, mas as remunerações vultuosas faziam esquecer qualquer patriotismo.

            Muitas pessoas, tais como eu, viveram ou testemunharam algum tipo da aventada “teoria da conspiração” em suas vidas, fossem elas de esquerda ou de direita. Contudo, uma visão mais profunda permite dizer que, em verdade, tais teorias de conspirações são meras falácias para justificar decisões erradas tomadas por quem tinha poder de decidir algo. O que ocorre na realidade é que o poder de decisão de algumas pessoas pode interferir de uma maneira ou de outra nos destinos de muitas outras, quer estas percebam ou não. Se for considerado o controle do poder decisório como uma conspiração, logo a história da Humanidade seria uma seqüência de conspirações e não de fatos correlacionados por ações e reações. Só existe conspiração se há um entendimento secreto dirigido contra alguém ou instituição, ou ainda uma ação concentrada contra um Estado. Ora, a conspiração só pode ocorrer por falta ou mau uso de informações, caso que até poderia ser viável no passado, mas não nos dias atuais.

            O crescimento contínuo e interrupto dos meios de comunicação nas últimas décadas permitiu que fatos reais, que antes não alcançavam a plena consciência da maior parte da Humanidade, passassem a ser vistos ao vivo e a cores em todo o mundo e pela maior parte da Humanidade. A comunicação tornou o mundo pequeno, e a Internet tornou o mundo íntimo e revelado.

            Nos dias de hoje não é mais permitido aos lideres, sejam eles governamentais, empresariais, religiosos, docentes ou outros, dizerem que desconheciam ou não sabiam desta ou daquela informação, pois hoje existem todos os meios para se obter toda e qualquer informação, elas estão aí disponíveis a qualquer um. O bom uso da informação pode ser determinante para o progresso e desenvolvimento de nações, de todo tipo de instituições humanas e garantir o sucesso pessoal. É um instrumento necessário para se prever, precaver e evitar qualquer situação de ameaça a integridade individual ou coletiva, fica-se à mercê dos acasos e da sorte sem ela, seja esta boa ou má.

            O maior motivo do insucesso em qualquer empreitada é a ignorância da verdade. Quando uma pessoa desconhece a veracidade de uma situação, que desconhece a verdadeiro contexto em que está envolvida, quando desconhece o conhecimento que lhe é negado, esta pessoa sem dúvida cometerá erros em seus julgamentos, escolhas e decisões, que poderão causar males irreparáveis a ela própria e a outras pessoas. Os inúmeros interesses pessoais estão sempre ocultos em mentiras, em meias-verdades, na falta de transparência seja daqueles que detêm algum tipo de poder ou dos que ambicionam algum poder. A ambição de poder, qual seja este poder, sempre será a razão para inúmeros conflitos nas relações humanas.  Contudo, o planejamento de ações é necessário e vital, pois visa à busca meios de evitar situações desastrosas ou cujas conseqüências seriam danosas a alguém ou a um grande número de pessoas. É preciso, então, que tenhamos discernimento e sabedoria para distinguir a natureza de dada decisão em seu contexto, diferenciando aquela que arquiteta soluções de outra que trama com fins ilícitos, e é esta a proposta deste estudo.

                         O exercício profissional é a cada dia mais difícil e competitivo, mais ainda para quem ignora as circunstâncias dos contextos, em que as decisões que envolvem milhares de pessoas são tomadas. O mundo atual não tem mais tantas oportunidades a oferecer como ao tempo de nossos antepassados. Se após a I Guerra Mundial a população mundial em 1920 era de 1.862 milhões de pessoas[6], em 1950 após a II Guerra Mundial já era de 2.564 milhões de pessoas[7]. No ano de 1980 a população mundial de 1920 simplesmente dobrara [8]. Chegamos a 2004 com uma população estimada de 6.379 milhões de pessoas [9]. Neste ano o relatório da ONU reportou extra-oficialmente que teríamos chegado a 6.500 milhões de habitantes no planeta! Em termos pragmáticos sabemos que apenas uma fração dessa população tem acesso à saúde e ao ensino básico. Desta fração apenas um número ainda menor de indivíduos conseguirá ingressar nas Universidades e só alguns raros ingressarão nos mais renomados estabelecimentos de ensino internacionais. Um número diminuto de pessoas conseguirá uma colocação profissional de acordo com seus méritos, esforços despendidos e talentos. Muitas pessoas jamais terão a oportunidade de expressar seus talentos e a grandiosa maioria da população mundial jamais saberá que tinha algum talento.
           
            Temos que parar e nos perguntar: “O que deu errado?”. Ou “O que está errado?”. Porque é indiscutível que tem algo que não está dando certo em todo o mundo, algo que impede o caminho da Humanidade para um conceito mais elevado de sabedoria e melhor qualidade de vida. Quando penso nisso, é inevitável que eu me lembre sempre das palavras de Jesus: “Aí de vós, doutores da lei! Que tomastes a chave da ciência, e vós mesmos não entrastes e impedistes aos que vinham de entrar” [10]. Entenda-se como “doutores da lei” aqueles que possuem poder de decisão sobre uma ordem a ser estabelecida e “ciência” o termo usado na época para a palavra “conhecimento”. Jesus, portanto, condenava aqueles que limitavam de uma maneira ou de outra o livre acesso ao conhecimento, o que sempre foi pouco ouvido pelos seus seguidores, como ainda veremos.

            Por este motivo creio que a omissão de transmitir qualquer tipo de conhecimento adquirido é um crime. A partir deste ponto de vista me propus a transmitir o conhecimento que adquiri do “caminho das pedras” usando para isso exemplos de casos reais, de modo a elucidar, dar subsídios e abrir espaço às reflexões dialéticas que devem existir antes da tomada das decisões pessoais.  Atendendo à premente necessidade de determinadas informações que podem permitir a um maior número de pessoas alcançar o real sucesso em suas realizações pessoais.

             É preciso que as ilusões sejam desmistificadas e que toda hipocrisia seja revelada, pois sabemos que só os fortes vencem.  A vida não é para quem desanima ao primeiro obstáculo, nem depois de muitos. Mas, se mesmo os fortes podem ser enganados e sabotados, que esperança haverá para os mais fracos e oprimidos. O objetivo deste trabalho é para que aqueles que venham a ser por ventura abalados, não se entreguem e continuem lutando por seus ideais, e não desistam nunca de lutar por seus sonhos. Mas para tornar este mundo a cada dia um lugar melhor para todos.
        



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São Paulo, 19 de março de 2005.
             




[1] Nosso Século.- São Paulo - Abril Cultural, 1980 - Vol. 1960/1980 pg. 11.
[2]  Ibidem. Pg. 26

[3] The Presidents – United States, National Park Service – 1977   pgs. 289 a 292
    The World Almanac and Book of Facts – 1993
       Pharos Books – Library of Congress Catalog Card Number 4-3781        pg. 52
 
[4] Idem anterior, pg. 377.
[5] Nosso Século.- São Paulo - Abril Cultural, 1980 - Vol. 1960/1980.            pg. 26
[6]Guiness, Book of World Records  - 1980  - Sterling Publishing Company, Inc. NY     pg. 373   
[7] The World Almanac and Book of Facts – 1993
       Pharos Books – Library of Congress Catalog Card Number 4-3781         pg. 817      
[8] Ibidem anterior.
[9] The World Almanac and Book of Facts – 2004
       Pharos Books – Library of Congress Catalog Card Number 4-3781
[10]  (Lc 11:52)