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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

IX - A ESCALADA CAPITALISTA

A transformação na maneira de pensar, decorrente de um maior conhecimento, teria sido a causa ou o efeito de uma radical mudança política e social na Europa do século XVIII?  Uma reflexão sobre essa pergunta conduz a uma nova investigação. A História não é uma ciência exata, porquanto na medida que se revelam novos fatos e novos aspectos de um determinado acontecimento um novo contexto se apresenta, transformando sua narrativa. A História é uma ciência baseada em fatos, todavia as narrativas históricas por séculos e séculos se basearam em fatos que envolviam o palco de ação dos governantes segundo seus interesses, deixando relevantes acontecimentos nos bastidores, passando assim a falsa impressão de ser a História, apenas, uma seqüência incansável de sucessivas guerras. A História tradicional raramente revela os reais motivos das ações dos governantes, colocando os historiadores do passado em delicada posição, seja pela cumplicidade destes com seus superiores, seja para dar um falso valor nacionalista e patriótico em suas narrativas. O interesse econômico quando aparece está embutido num discurso de altos ideais, capaz de motivar atos heróicos da maioria ingênua e de promover a união de muitos em uma mesma causa. A cada dia mais se comprova que questão econômica é a causa primeira de todas as guerras e geradora das transformações da sociedade humana, e, também, de maneira dramática é a única razão para a ascensão e queda das civilizações.

O cenário histórico europeu permite a constatação da relevante importância da economia no processo civilizatório humano. O aspecto populacional, por exemplo, é o fator determinante para a precariedade econômica da Europa na baixa Idade Média. Até o século V a Europa tinha uma acomodação populacional dividida entre os povos celtas, germanos e romanos. Os celtas estavam fixados na Gália (França), Galícia (norte da Espanha), na Britannia (Grã-Bretanha) e no vale do rio Pó, enquanto os germanos se fixaram às margens do rio Reno e do Rio Danúbio. Tanto os germanos quanto os celtas estavam submetidos ao Império Romano do Ocidente no inicio do século V, quando uma certa tribo nômade asiática, denominada hunos, atraída pelas riquezas do Império começou o seu movimento de pilhagem invadindo o oeste europeu, atingindo o rio Danúbio no ano de 405. As tribos germânicas em sua maioria se dedicavam à agricultura, seu preparo para defesa não atingia ¼ da população. Na medida que os Hunos avançavam os agricultores germânicos abandonavam suas terras procurando refúgio em locais mais protegidos, num movimento constante de fuga. A invasão huna desintegrou assim a relativa unidade das tribos germanas as espalhou pelos quatro cantos da Europa; godos (divididos em ostrogodos e visigodos), alanos, vândalos, suevos, francos, lombardos, borgúndios, anglos e saxões passaram a ocupar os territórios continentais celtas, forçando uma imigração deste povo para as ilhas da Irlanda e da Britânia .

A fraqueza política-econômica e militar do Império Romano do Ocidente permitiram que o povo mais forte do império se sublevasse, no caso os germanos. Ora, é preciso lembrar que as legiões romanas, nos anos que antecederam Constantino já eram praticamente formadas de germânicos, a grande maioria destes haviam se convertido ao cristianismo, razão relevante para Constantino adotar o cristianismo. Considerando este aspecto seria mais correto dizer que os germanos ocuparam a ausência de poder do Império Romano do Ocidente sobre seus territórios, descartando a idéia tradicional de uma invasão germânica.  

Por conta de novas invasões os germanos lombardos invadiram o nordeste da Itália e tomam Ravenna em 751. Carlos Magno, ao vencer os lombardos em 774, recebeu a coroa de ferro, que o tornou senhor do norte da Itália. Em vista do poder do rei franco, o papado estabeleceu a primeira aliança estratégica com um líder germânico. No dia de Natal de 800, Carlos Magno foi coroado pelo papa em Roma imperador do Ocidente, para glória da famosa dinastia Merovíngia.

 Com a morte de Carlos Magno em 814, segundo o costume franco toda fortuna paterna foi dividida igualmente entre os filhos, tendo por conseqüência a divisão do império carolíngeo. O novo rei franco passou a ter apenas um poder teórico, porquanto os príncipes governavam com autonomia os seus domínios locais, assim como os outros senhores da alta nobreza. Este costume foi a maior causa da interrupção da hegemonia franca sobre a Europa.     

Naquele final do século VIII, as tribos turco-mongólicas búlgaras também vieram ao leste europeu e acabaram por se misturarem com os eslavos do sudeste sem maiores problemas. Os búlgaros se instalam na foz do Danúbio, às margens do Mar Negro, e acabaram submetidos em 972 ao Império Bizantino. O mesmo não se daria com a chegada das tribos dos ugros que ao final do século IX, que após se fixaram no antigo território do reino dos ávaros, tomando o nome de Magiares ameaçaram a Bavária nos primeiros anos do século X, invadindo o território germânico com sua fantástica cavalaria. A despeito da superioridade tática, os ugros acabaram derrotados em 955, mas apesar disto o reino húngaro conseguiu se constituir antes do final daquele século.

Descendente de Carlos Magno, o Duque da Saxônia, Henrique, o Passarinheiro, q fundou a dinastia saxônia na Germânia, também conhecida como Primeiro Reich. Seu filho Otto I, o Grande, o sucedeu em 936, em 951 se tornou rei da Itália, em razão de uma nova aliança estabelecida pelo papado. Otto recebeu a dignidade de paladino da cristandade do papado, e foi sagrado primeiro imperador do Sacro Império Romano Germânico em 962.                                                                     

Na França, o neto de Carlos Magno, Carlos II, o Calvo, se via em apuros com as invasões vikings de 866, foi com o apoio do cunhado, Roberto, o Forte, que conseguiu se manter no poder. Roberto, o Forte, era o Conde de Tours, e também conde de Anjou, ele é o ancestral de todos os Capetos. Seu neto Hugo, o Grande, casado com a irmã de Otto I, o Grande, foi eminência parda dos últimos reis carolíngios, tal influência resultou na ida de seu filho Hugo Capeto ao trono da França, quando o último descendente carolíngeo da casa real francesa faleceu em 986. Fica evidente que a os reinos Europeus desde a sua formação constituíam uma enorme família.   

O impacto do movimento da invasão viking, apesar do barbarismo que acompanhou suas ações, veio dar um novo brilho à civilização européia. Os povos escandinavos que viviam na região nórdica da Noruega e Suécia, e ocuparam a península da Jutlândia (Dinamarca) chamavam a si mesmos de “vikings”, mas na época carolíngia foram chamados pelos europeus continentais de normandos, que quer dizer “homens do norte”. No século VIII os vikings percorriam com seus navios as costas da Europa, do mar Norte ao mar Mediterrâneo, e eram temidos piratas. Organizados em flotilhas de grandes barcos, desembarcaram nos principais rios do reino franco, exigindo polpuda soma para se retirarem. Em 886, sitiaram Paris e só mediante um enorme resgate e a autorização de saquearem a Borgonha e que eles se retiraram o cerco. Após 850, os vikings, sob o nome de varegos, ocuparam a costa européia do Mar Báltico. Construíram pequenos barcos e desceram o rio Dniéper chegaram a Kiev e de lá ao Mar Negro.Em pouco tempo eles se tornaram os intermediários comerciais entre Bizâncio e o Ocidente, entre cristãos e mulçumanos.  Em 911, os normandos conseguiram por um tratado com o rei francês a concessão da região da foz do rio Sena, dando origem ao Ducado da Normandia, e de lá onde os normandos partiram para conquistar a ilha britânica.

A importância dos vikings está no fato de não serem apenas invasores, eles também eram colonizadores, além disso, tinham talento para o comércio. Houve uma crescente demanda dos europeus continentais pelos produtos escandinavos: como o marfim das morsas, couro e peles dos animais árticos e escravos também, porque a escravatura ainda era uma prática de vários povos na Idade Média.  Por conta do comércio escandinavo, vários entrepostos costeiros, chamados “wics”, foram criados na costa norte européia. Outro fato decorrente da invasão viking foi uma mudança na estrutura social, homens livres se submeteram a seus senhores em troca de proteção, agricultores se tornaram servos e o poder militar de lideres locais aumentou grandemente, dando origem a uma nova classe de status, os cavaleiros, que passaram a servir aos nobres. A Europa Ocidental se tornou na metade do século XI uma colcha de retalho, com uma rede de comunidades entrelaçadas de principados, ducados, condados e tantos outros que constituíam os reinos frágeis sempre ameaçados pela divisão interna.

É nesse contexto convulsionado e repleto de uma nova cristandade pouco convencida da autoridade da Igreja de Roma, que o papa francês Urbano II concebe no Concílio de Clermont, em 1095, a idéia de uma peregrinação poderosa destinada a libertar Jerusalém das mãos dos infiéis mulçumanos. Surgem então as tropas armadas de cavaleiros peregrinos das famosas Cruzadas. E lá foi Godofredo de Bouillon, Duque de Lorena, chefiando a primeira Cruzada em 1096, e vira rei de Jerusalém em 1100. É preciso ressaltar que Godofredo de Bouillon e seu irmão Baldwin, ambos foram reis de Jerusalém, eram filhos da irmã de Eduardo, o Confessor, rei anglo-saxão da Inglaterra, o que faz deles algo mais que simples nobres franceses.

O filho de Baldwin, que reinou em Jerusalém como Baldwin II, não tendo herdeiros de linhagem masculina, chamou o neto do primeiro conde de Anjou, Fulk V, para se casar com sua filha Melisende.  Fulk que havia participado da cruzada em 1120 e ficará intimo dos cavaleiros templários tornando-se um dos seus grandes patrocinadores, não exitou nem um minuto frente à perspectiva de ser o novo rei de Jerusalém. Entrou em acordo com o seu antigo desafeto, o rei Henrique I da Inglaterra e fizeram o casamento de seu filho Geoffrey com a filha e herdeira do rei, Maud, que enviuvara sem-filhos de Henrique V, imperador romano-germânico. Fulk transferiu o direito ao titulo de conde de Anjou para o seu filho e partiu para Jerusalém. Em 1129, o tempo de viuvez de Fulk se encerrava ao casar-se com Melisende, herdeira do trono de Jerusalém. Decorrido um ano, nasceu desde casamento Baldwin III e depois viria Amalric I. Assim, Fulk foi rei de Jerusalém, posto que ocupou ao lado de sua esposa até 1143, que após sua morte reinou sozinha com o filho. Assim a descendência de Fulk conseguiu dois tronos; seus dois filhos reinaram em Jerusalém e seu neto subiu ao trono da Inglaterra como Henrique II, em 1154, fundando a dinastia que reuniu as casa francesa dos Capetos (Anjou) à casa da Normandia da Inglaterra. A nova casa real inglesa de Angevin ficou mais conhecida pelo nome de Plantageneta, em referência ao nome da flor amarela usada no emblema, vulgarmente conhecida como giesta (bot. Planta genesta).

A Igreja de Roma contabilizou o lucro das duas primeiras Cruzadas com o papa Inocêncio III, que revelou uma faceta de poderoso governante, dando ao exercício do poder papal um renovado significado. Inocêncio III consagrou o seu novo poder político fazendo de. Roma um Estado e dando-lhe a condição de patrimônio papal. Posteriormente expandiu o território do novo Estado com os Estados Pontifícios, que se estendiam até a costa adriática com importantes cidades como Ferrara, Bolonha, Imola, Ravenna, Ancona e Perugia. A França foi de vital apoio para seu sucesso e a Inglaterra aceitou. Ao mesmo tempo, Inocêncio III elaborou a política que deu supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal, considerando que se os reis europeus recebiam seu poder de Deus, logicamente deveriam ser submissos ao representante de Deus na Terra, o Papa.

Os imperadores do Sacro Império Germânico não gostaram do perfil papal de Inocêncio III, não abandonando a idéia de fazer uma reforma no papado. A disputa acabou por desembocar na luta pelo controle da Itália. Dois partidos se formaram: os guelfos que apoiavam o papa e os gibelinos que apoiavam os imperadores germânicos. As conseqüências no território germânico não foram nada favoráveis. Com a morte do imperador Henrique VI, seu filho e herdeiro Frederico II tinha tenra idade, e ficando órfão de mãe, Inocêncio III se fez guardião do pequeno herdeiro. O que permitiu o papa se opor ao tio do garoto Filipe, o Duque da Suábia, que era apoiado pelos seus parentes gibelinos. Filipe acabou assassinado e os guelfos apoiaram Otto de Brunswick, filho de Henrique, o Leão, Duque da Bavária e da Saxônia e Matilda Plantageneta, irmã de Ricardo Coração de Leão, assim o papa designou Otto IV como novo imperador romano-germânico. A despeito do apoio papal, logo Otto IV investiu contra os Estados Papais e foi derrotado por Filipe Augusto da França, aliado do papa Inocêncio III. Assim mais um imperador romano-germânico acabou excomungado e deposto. Então, finalmente, Frederico II foi eleito rei da Germânia, e com apoio de Inocêncio foi coroado rei dos Romanos em 1215, sendo o novo imperador em 1220.

Todavia, Deus parece ter sempre seus próprios desígnios. O novo imperador romano-germânico não tardou a reiniciar a luta pela conquista dos Estados Pontifícios e foi naturalmente excomungado. Frederico II era ardiloso, casou-se com a herdeira do reino de Jerusalém (1225), e logo se embrenhou numa Cruzada, não como guerreiro, porquanto era excomungado, mas como diplomata. Foi tão bom diplomata que negociou com os mulçumanos um tratado que lhe daria a posse de Jerusalém por dez anos, foi coroado rei de Jerusalém com sua esposa, em 1229. Mas, seu filho, Conrado, ao nascer o deixou viúvo, então seu filho se tornou o legitimo pretendente ao trono. Como tinha severa oposição política em Jerusalém, Frederico II constituiu como seu vice-rei John de Ibelin, Lorde de Beirut, filho do cruzado Balian de Ibelin. Jerusalém foi perdida para os mulçumanos em 1244 e passadas algumas décadas e o reino de Jerusalém teria seu fim, apesar disto o titulo de rei de Jerusalém sobreviveu às reviravoltas históricas, sendo atualmente reclamado por Juan Carlos, rei da Espanha. 

As Cruzadas, como visto, atenderam ao objetivo do papado de reunir os relutantes reis cristãos europeus em torno de um objetivo comum, que ao mesmo tempo fortalecesse o poder o combalido poder da Igreja de Roma e contribui enormemente para fortalecer o poder papal. Mas, ainda, não era poder suficiente. Com base na ameaça da heresia para a cristandade, em 1233 foi estabelecida a Inquisição, que ampliou o poder papal às alturas. É exatamente esta ampliação do poder pontifício sobre os reinos europeus que conquistou inimigos declarados ou ocultos à Igreja de Roma, para os quais as idéias luteranas foram mais que bem-vindas.

É neste cenário conturbado das Cruzadas que desponta um tempo de desenvolvimento econômico europeu promovido por Henrique I, Conde de Champagne, o qual recebeu a justa alcunha de “o Liberal”. Uma rede de influência poderosa assomada a situação geográfica privilegiada deram ao Conde de Champagne as condições perfeitas para desenvolver o primeiro foco da economia capitalista da Idade Média: as feiras de Champagne. Com sabedoria o Conde de Champagne organizou a parte administrativa de seu condado de maneira eficiente, que lhe permitiu exercer um governo pacifico sobre a pequena nobreza, que o ajudava a manter a segurança do condado. Ele reuniu em torno de si dois mil vassalos, o que por si só já o tornava um nobre poderoso na região.

Os relatos históricos nos levam a pensar que as feiras de Champagne foi um fenômeno de atividade econômica totalmente espontânea, o que não foi verdade. Foi, sim, um evento econômico muito bem organizado e devidamente planejado e administrado pelo Conde de Champagne e sua rede. Henrique em sendo neto da filha do rei da Inglaterra, irmão de outro e casado com a filha do rei França de quem a irmã é esposa, não é um sujeito qualquer, tem um vasto poder atrás de sua pessoa, um poder que fez passar as feiras de Champagne para História.  

O casamento do Conde de Champagne no ano de 1164 com Maria, filha mais velha de Eleanor de Aquitânia com Luís VII da França, de certo deu ainda mais brilho as Feiras de Champagne, além de poder contar também com os favores do rei da Inglaterra, segundo marido de Eleanor de Aquitânia, e que era também duque da Normandia. Se não houvesse esta rede de influência não seria possível o sucesso das feiras de Champagne. Tal rede dava ao condado de Henrique I condições privilegiadas, que ofereciam aos mercadores um campo profícuo aos negócios, algo raro em uma Europa sempre sacudida pelas disputas familiares da nobreza. Para Champagne vinham mercadorias de todas as partes; lã, linho, peles e roupas do norte, especiarias, seda, drogas e muito mais, se negociava as safras agrícolas e animais, as produções artesanais de todos os tipos. Em vista do sucesso das feiras de Champagne, o Conde Henrique I deu maiores prerrogativas e extendeu a liberdade às cidades, o que era impensável até então.

By Bia Botana

As feiras de Champagne podem ser consideradas a primeira manifestação da economia capitalista no Ocidente. Por conta da necessidade de cambio entre as moedas mesas de câmbio começaram a fazer parte das feiras, a necessidade também fez surgir as cartas de crédito e de pagamento futuro, porquanto não era possível carregar-se um volume muito grande de dinheiro de um lado para outro do continente europeu. Entre aqueles que lidavam com a atividade financeira estavam os judeus, os quais podiam emprestar dinheiro a juros, e os italianos que não podiam emprestar dinheiro a juros por proibição da Igreja de Roma, e no meio dos dois estavam os cavaleiros templários, que criaram outras maneiras de empréstimo: como a cobrança de taxa de risco, o seguro de perda e o empréstimo por produção, método que deu origem a um nascente sistema bancário. É preciso não esquecer da intima ligação da Ordem dos Templários com os Plantagenetas e destes com o Conde de Champagne, todos pertencentes à mesma rede de influência.


 
1. Londres  2. Paris  3. Genova  4. Bruges  5. Amsterdã  6. Colônia  7. Augsburgo  8. Basiléia  9. Veneza 10.  Florença  11.  Roma  12.  Lübeck  13. Brunswick  14. Nurembergue 15.  Constantinopla 16.  Acre     !7.  Riga  18. Kiev 19. Novgorod. 
Rotas Terrestres e Rotas Marítimas. 
    
Henrique, o Leão, Duque da Saxônia e da Bavária também logo se ligaria à poderosa rede de influência do Conde de Champagne. Em 1156, Henrique era detentor de um dos mais vastos territórios da Europa continental: a fronteira ao Norte abrangia as costas marítimas do mar Norte e do mar Bálticos, fazendo fronteira com península da Jutlândia (Dinamarca); ao Sul a fronteira alpina italiana; a Leste o reino da Boemia e a Oeste o ducado de Lorena, a Alsácia e a Borgonha. O mais estratégico era a situação geográfica do seu território, o qual cortava o continente de norte a sul e era passagem para o leste das terras costeiras do mar Báltico, onde os vikings varegos haviam estabelecido uma rota comercial pelo rio Dieper, passando por Novgorod, Kiev e chegava-se a Constantinopla, as mercadorias vindas de Constantinopla eram comercializadas pela rota marítima do Báltico ao mar Norte. Com o desenvolvimento comercial trazido pelas feiras de Champagne, duas rotas comerciais foram implementadas; Uma vinha da região mediterrânea da cidade de Arles e subia o rio Rodano até atingir a nascente do rio Sena, seguindo até a foz no canal da Mancha no território do Ducado da Normandia. Outra vinha da cidade de Pavia na Lombardia, atravessava a passagem alpina do passo Grande São Bernardo, chegando a Genebra o caminho se bifurcava ou se ia para Paris ou pegava-se o caminho pelo rio Reno até o canal da Mancha, passando-se pelo território do ducado de Lorena, fronteiriço com o ducado da Saxônia. Após a morte do duque de Lorena, Godofredo de Bouillon, em 1100, o ducado de Lorena fora dividido em ducado da Alta Lorena, na região da Alsácia, e no ducado da Baixa Lorena, que corresponde à região nos dias atuais à Bélgica e Holanda, e em 1192 a Baixa Lorena adotou o nome de ducado de Brabant, que junto com o ducado de Flandres ocuparia relevante importância comercial.

Toda esta questão geográfica será determinante para o desenvolvimento comercial que passa a ocorrer no norte da Europa a partir das feiras de Champagne. Em pouco tempo, na costa do condado de Flandres, região fronteiriça da Baixa Lorena, a cidade portuária de Bruges adquiriu grande importância econômica. Bruges anteriormente fora muito utilizada pelos normandos, porquanto além de ter um porto muito bem protegido era também bem próximo da costa inglesa. O crescente interesse comercial da Inglaterra com pela região contou para o casamento de William, o Conquistador, com Matilda de Flandres, pelo mesmo motivo o filho deles Henrique I da Inglaterra se casou em segundas núpcias com Adela, filha do duque da Baixa Lorena em 1121, todavia a união foi sem filhos, não produzindo o efeito desejado. Mas outra ligação se mostraria vantajosa, o casamento no ano de 1158 de Henrique, o Leão, com a pequenina Matilda (1156-1189), filha de Henrique II da Inglaterra e Eleanor da Aquitânia, irmã de Ricardo Coração de Leão. Após o acordo matrimonial o duque da Saxônia fundou a cidade portuária de Lübeck. Este ato o marcou do inicio das atividades de uma poderosa rede de influência comercial européia, que recebeu o nome de Liga Hanseática ou Liga Hanse.

A Liga Hanseática associava as cidades de importância comercial que estavam localizadas nas rotas comerciais setentrionais, as cidades da liga gozavam de privilégios que lhe davam meios de atuação poderosos, como as franquias comerciais, que viriam a se irradiar da Inglaterra até a Rússia. A sociedade também trabalhava para conseguir privilégios para os seus membros. A História apresenta um curioso exemplo da atuação da rede, ao descrever como um mercador de Colônia tentou convencer Henrique II da Inglaterra, do quanto lucraria com os direitos de privilégios nos negócios em 1157. É difícil acreditar que Henrique II precisasse ser convencido disto, todavia não se pode desconsiderar a possibilidade de ter sido este desconhecido mercador o responsável por ter mostrado ao rei o quanto seria lucrativo o casamento de uma de suas filhas com o duque da Saxônia e da Bavária.

Quis o destino que os interesses ulteriores ingleses fossem contrariados pelos seus adversários do momento. A prosperidade da Saxônia e da Bavária chamara a atenção do imperador romano-germânico, que não tinha interesse no crescimento do poder dos ducados da Saxônia e da Bavária. Em 1182, após ardis legais justificaram que Frederico I Barba Roxa entrasse com as tropas adentro da Bavária e da Saxônia e não restou outra saída ao duque da Saxônia além de fugir para a casa do sogro com sua família. Ele tentou retornar para uma reconquista em 1185, mas voltou a se exilar na Inglaterra em 1188, no ano seguinte morreram sua esposa Matilda e seu protetor o rei Henrique II. Naquele mesmo ano, Henrique, o Leão, aproveita a ausência de Barbarossa, que fora o primeiro a partir para a 3ª Cruzada, e consegue reconquistar ao menos a sua amada cidade de Brunswick, que era a capital do seu ducado. Sem maiores sucessos em sua empreitada, Henrique, o Leão, apenas como duque de Brunswick veio a falecer em 1192. Mas, sua rede de influência sairia fortalecida, sua filha Gertrude da Baviera, era casada com o rei Canuto IV da Dinamarca, dos quatro filhos que teve com Matilde só dois estavam vivos: Henrique I Palatine, Conde de Rhein até 1227 e Otto, que veio a ser Otto IV, imperador romano-germânico em 1209, o favoreceu amplamente a Liga Hanseática.

Todo esse novo contexto do mercado comercial europeu ainda sofreria mais mudanças com a ampliação da influência da República de Veneza, que deu origem a mais uma rede de influência comandada pelos venezianos e posteriormente pelos florentinos, que traria novos aspectos à economia e também às relações comerciais, estabelecendo novas bases para o processo econômico europeu.

 Esta mudança econômica na Europa traria também uma profunda mudança cultural, porquanto na medida em que a população européia enriquecia e abandonava seu estado precário de pobreza perene, tendo acesso cada vez mais a bens materiais, adquiria também mais conhecimento intelectual, capaz de alargar os horizontes e fazer surtir uma consciência mais profunda dos europeus em relação ao mundo, os levando ao questionamento da ordem estabelecida, um questionamento que só seria bem-vindo se viesse de encontro aos interesses da nascente classe capitalista, que menos hipócrita que a classe eclesiástica, deixaria claro que se encarregaria de financiar as novas idéias, desde que estas dessem vantajosos lucros.