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segunda-feira, 12 de março de 2012

XI - OS BANQUEIROS



Não existe segredo mais bem guardado na História que a origem dos bancos, isto se deve a moral cristã vigente na Idade Média, que considerava o lucro um pecado, não porque fosse realmente pecaminoso, mas porque não interessava à classe eclesiástica, e muito menos à nobreza, que o povo em geral desenvolvesse ambições materiais, e com isso adquirisse algum poder, que pudesse ser uma ameaça à dominância que estas duas classes exerciam.

Segundo os relatos disponíveis, os judeus por terem um talento incomum para o comércio e profundo conhecimento de ourivesaria, lidando com prata, ouro e pedras preciosas, se tornaram no transcurso do exercício profissional também financistas, praticando o empréstimo de dinheiro a juros, comumente chamado de agiotagem. Com as Cruzadas os judeus foram perseguidos, não só porque a Igreja de Roma a fim de preservar a própria imagem fazia recair sobre o povo judeu a culpa da morte de Jesus enquanto eximia os romanos, mas também, e principalmente, porque os judeus detinham um significante poder comercial e financeiro. Para fugirem à perseguição que se deu neste período muitos judeus se converteram ao cristianismo, enquanto outros foram forçados a isso, o que introduziu na comunidade comercial européia novas práticas de negociações e métodos financeiros.

Na mesma medida que se fazia crescente a prática comercial desenvolvida com a influência normanda, também progredia a economia, gerando uma necessidade cada vez maior de pessoas capacitadas para administrarem as operações financeiras. Ora, muitos dos cavaleiros da Ordem dos Templários pertenciam à alta nobreza, o que permitiu que captassem mais recursos convencendo outros nobres como Fulk V de Anjou a financiá-los. Em pouco tempo os templários passaram a ter uma atividade financeira considerável, o que os levou a incorporarem os métodos financeiros até então praticados apenas pelos judeus.

Nas feiras de Champagne existiam locais onde se fazia o cambio das várias moedas européias, esses locais eram chamados de bancas, o que deu o nome aos seus operadores de banqueiros. O recrudescimento da atividade financeira deu a estas bancas novas funções como o empréstimo, financiamento e transferência de dinheiro. O recibo do depósito de ouro inventado pelos templários permitia deixar o ouro em segurança em troco de um papel selado e com a garantia do banco templário. O ouro pertencia a quem apresentasse o papel, chamado “certificado de ouro” que era a também usado como “promessa de pagamento”. Resolvido o transporte de dinheiro, restava o problema da segurança do transporte das mercadorias de um lado para outro através das rotas comerciais que não ofereciam segurança, estando sempre sujeitas na via terrestre a emboscadas de salteadores e na via marítima à pirataria largamente praticada. Tendo em vista estes problemas os templários criaram a apólice de seguro, para ressarcir as perdas materiais no transcurso das viagens, ao mesmo tempo em que era do interesse dos seguradores templários que nenhum dano viesse a ocorrer às mercadorias, providenciando para isso escoltas especializadas.  Estes foram os motivos que fizeram da Ordem dos Templários a primeira instituição bancária privada e independente das operações dos senhores da nobreza, até então únicos financiadores e tomadores de dinheiro. Quanto mais crescia o movimento comercial das feiras de Champagne e da Liga Hanse, tanto maior era o poder bancário dos templários, o que fazia deles os únicos senhores do sistema financeiro do norte europeu.

 Na primeira metade do século XIII, a cidade de Florença ao participar da disputa entre a Igreja de Roma e o Sacro Império Romano Germânico tomou uma posição francamente pró-papal. Com a vitória do partido pró-papal dos Guelfos, a compensação pela fidelidade logo veio aos proeminentes florentinos, que foram eleitos pelo papa como tesoureiros e coletores de impostos do Estado Pontifício. Em 1252, o florin, a moeda de ouro florentina, entrou em circulação, marcando o inicio da ascensão da mais poderosa cidade do sistema financeiro europeu da Idade Média. Os bancos florentinos tinham o nome da família que controladora do negócio, entre os nomes mais importantes estavam os Peruzzi, Buonacorsi, Accioli, Albizzo, Mosciatto Guide, Bardi, Frescobaldi etc. Os membros das famílias destas firmas tinham diversas atividades dentro e fora da companhia, atuavam em política, na área militar e nos assuntos diplomáticos, dando prestigio ao nome da família, além do que ampliavam em muita a esfera de influência familiar, por este motivo ficava difícil distinguir entre as atividades e motivações da atuação destas famílias.

Florença tinha uma poderosa elite mercantil, a qual era constituída de numerosas famílias que investiam o capital que detinham no progresso dos negócios comerciais e industriais. Nos anos a partir de 1290, duas dessas famílias, os Bardi e os Peruzzi, haviam estabelecido sucursais na Inglaterra, e se tornariam os principais banqueiros europeus trinta anos depois. Um exemplo dos negócios feitos por estes banqueiros florentinos pode ser encontrado na negociação da coroa britânica de 1299 para um empréstimo que fez com o banco comercial líder naquele período da família Frescobaldi. O contrato de empréstimo dispunha que o emprestador poderia controlar as operações da uma mina de prata pelo período de um ano, mas teria que pagar todo o custo da operação da mina. A coroa inglesa não dava nenhuma garantia da existência ou não do minério, nem a quantidade ou qualidade da prata que poderia ser extraída durante o período. Este era o típico contrato de risco, em que não havia garantia que a produção pagaria o empréstimo bancário.

Com implementação comercial e o conseqüente recrudescimento do giro monetário, somado ao fato dos venezianos e genoveses exportarem cada vez mais as moedas européias de prata para o pagamento de suas operações comerciais externas, passou a ocorrer uma escassez do metal nos reinos europeus ao final do século XIII, porquanto as minas existentes estavam se esgotando e a produção de novas moedas ficou escassa. Contava para essa escassez a prática crescente da especulação monetária, porquanto a prata que vinha do Sacro Império Romano Germânico, por exemplo, era comerciada pelos venezianos com os florentinos, os quais eram responsáveis pela cunhagem das novas moedas, obtendo seu lucro sobre a diferença entre o valor das moedas em relação ao valor de mercado da prata, além do que obtinham ainda maior lucro ainda com o estabelecimento de duas moedas paralelas; a moeda descontável para uso comum dos cidadãos e a moeda comercial para o uso comercial e dos negócios estabelecidos entre os financiadores e tomadores de dinheiro, particulares e governamentais.

Esta prática financeira florentina e veneziana aparentemente não afetava os negócios dos banqueiros templários, fosse por suas reservas em ouro e prata, fosse pelos valiosos contratos comercias que iam da exploração de novas minas a hipotecas de produção agrícolas. Contava para solidez dos negócios dos templários a notável rede de influência dos descendentes de Fulk V de Anjou, a qual dominava os negócios do eixo norte da Europa, a despeito da acirrada disputa comercial entre as casas reais francesa dos Capetos e inglesa dos Plantagenetas, iniciada com Eduardo Coração de Leão e Filipe Augusto ao final do século XII. O sucesso dos templários incomodava tanto o rei da França Filipe IV, o Belo, quanto seus banqueiros florentinos Albizzo e Mosciatto Guide. Assim, o rei francês desejoso de resolver seus graves problemas financeiros com os florentinos e os tendo como aliados processou os banqueiros templários, a fim de apoderar-se de seus lucrativos negócios e riquezas. A estratégia do rei francês para aniquilar o poder da Ordem dos Templários foi tomar posse da origem do poder, o trono de Pedro, colocando sentados nele papas 'marionetes' da coroa francesa para assim garantir não só a sobrevivência financeira da França como também, oportunisticamente, promover sua recuperação comercial. 

Florença foi sem dúvida a mais privilegiada com a perseguição sanguinária aos cavaleiros templários por toda a Europa e a consequente tomada a partir de 1307 da rede financeira templaria pela Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, a qual fora criada para esse exato fim.  Esta ligação se sedimentou quando após a conquista de Rodes pelos Hospitalários, em 1309, a casa bancária Peruzzi foi premiada com uma sucursal na ilha. O apoio do papa francês Clemente V, homem de Filipe IV, o Belo, foi fundamental para o florescimento espetacular dos negócios dos Bardi e dos Peruzzi, basta dizer que com a mudança da sede papal para a cidade francesa de Avignon no mesmo ano de 1309, a casa bancária Bardi estabeleceu ali a sua reserva em moeda de ouro. O prestigio papal dado aos florentinos se estenderia até 1370, devido à sucessão consecutiva de papas franceses.  

Além das casas bancárias a economia florentina também se baseava na produção de luxuriantes lãs e sedas. Centenas de lojas se dedicavam a cada passo ou mais da produção têxtil, os fios eram tratados, tingidos, tecidos e finalizados para depois serem usados na confecção de vestimentas. A única concorrente neste negócio era a região de Flandres, que contava com a vantagem de comprar a lã da Inglaterra, cuja qualidade superava em muito a lã produzida na Espanha. Os negócios em Flandres estavam de tal maneira prósperos que em 1309, uma Bolsa de Negócios foi aberta em Bruges. O que causaria a cobiça dos comerciantes florentinos sobre o progresso flamengo.

Os banqueiros florentinos eram aliados dos comerciantes venezianos e Veneza manipulava o processo bancário florentino, e tanto florentinos como venezianos se relacionavam com as redes de influência de Champagne, de Anjou e do Hanse, fazendo desta relação uma rede fechada de conspiração financeira, detendo o completo domínio de um mercado em que o dinheiro era cunhado e o crédito criado. Em 1320 os venezianos exportavam a prata da Europa para o Oriente Médio e Constantinopla, 25% da prata existente nessas regiões vinha da Europa, foi estimado que mais de 100 toneladas de prata foram exportadas pelos venezianos para os sarracenos. A crescente escassez do vil metal criava um problema cada vez maior agora à Inglaterra e à Flandres, que se viam sem moedas para o pagamento de seus negócios. A moeda de prata parecia ter desaparecido, seguindo a idéia de que o domínio e a especulação progressiva de certo produto sempre reduz a produção deste produto. A bolha de especulação da prata iniciada em 1250 e que atingira a França em 1305 se aproximava de seu ponto perigoso em 1330, estando prestes a estourar.

As sucessivas ondas de fome de 1314-1317, de 1328-29 e de 1338-9 que assolaram a Europa refletiam que a política de agricultura e comércio europeu não estava funcionando devidamente. A fome abriu a porta para a pneumonia, as pragas e a peste bubônica, que fariam mais de trinta milhões de mortes, culminando o processo de despopulação da Europa iniciado em 1290. A Guerra dos Cem Anos seria desculpa para muitas coisas, sobretudo para o primeiro “crash” econômico da história da civilização ocidental.

Desde 1325, os genoveses inimigos ferrenhos dos florentinos e dos venezianos, controlavam os negócios e lucros da lã do reino de Castilha, na Espanha, logo os florentinos eram obrigados a comprar a lã da Inglaterra. A lã de origem inglesa e espanhola se constituía a base da produção de roupas da Europa, o algodão estava começando a ser produzido. Em 1229, os Bardi e os Peruzzi haviam conseguido com Eduardo I Longshanks, neto de João Sem Terra, o status de monopólio da produção e exportação da lã inglesa, o negócio foi bem até 1310, quando a produção de lã começou a declinar com o agravamento da crise aberta com perseguição à Ordem dos Templários, que desembocou na revolta da classe do baronato, causando a deposição e o assassinato de Eduardo II, genro do rei francês Filipe IV, o Belo. 

Com a ascensão de Eduardo III, filho do antecedente, ao trono da Inglaterra tudo parecia concorrer para os negócios florentinos da lã, sobretudo depois que o rei apoiara seu cunhado para o trono da Escócia em 1333. No ano de 1335, os banqueiros florentinos nada tinham para se queixar, pois tinham obtido 810% de lucro anual na soma de seus vários negócios, a prosperidade contínua faria com que no ano de 1338, Florença tivessem mais de 80 casas bancárias, que operavam por toda Europa, o negócio florentino era um sucesso, mas até quando?

Em 1337, Eduardo III, com a morte de seu tio se tornou o único herdeiro vivo da linhagem masculina direta da casa real francesa capetíngea, seguido apenas por seu irmão mais novo. Sua reivindicação ao trono da França encontrou oposição na lei Sálica, que impedia a sucessão real pela linhagem feminina, que era o caso de Eduardo III. Quando foi considerado como legitimo herdeiro do trono francês Filipe VI de Valois (filho do irmão de Filipe IV, o Belo, Carlos de Valois) Eduardo III deu início à Guerra dos Cem Anos.

Era também de profundo interesse do rei inglês unir a Inglaterra às ricas cidades flamengas (Flandres) ligadas ao comércio britânico de lãs. O que os banqueiros florentinos não contavam é que Eduardo III por causa da guerra proibisse os mercadores e banqueiros de fazerem remessas de seus lucros para o exterior. Então, os florentinos converteram seus lucros em lã e a estocaram nos monastérios da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, que eram seus devedores, aliados políticos e sócios no monopólio de lã. Montados na lã, os banqueiros da família Bardi propuseram a Eduardo III o boicote da venda de lã à Flandres, porquanto apesar de Eduardo III ser casado com a sobrinha do rei da França, Filipa de Hainaut (descendente de Yolanda de Flandres e Baldwin V de Hainaut), ele não conseguira que os flamengos se submetessem aos interesses da Inglaterra durante a expedição de 1338-1340.  Os florentinos, então usando disso alegaram que o boicote era uma maneira de elevar o preço da lã e do rei inglês poder fazer caixa para pagar seus débitos com os Bardi e Peruzzi, mas tudo o que os florentinos sempre quiseram era mesmo destruir a concorrência da indústria têxtil flamenga. Assim a indústria de Flandres foi boicotada, ficando sem lã em 1340, colocando um fim no nascente processo industrial centralizado nas cidades, que foi obrigado e se pulverizar em industrias familiares campesinas.

Os florentinos pareciam ter alcançado a vitória desejada sobre os flamengos, mas não esperavam a reviravolta em seus interesses que estaria por vir. Por ocasião da realização de uma negociação de cambio de 1339, o deságio da troca do florin de ouro pela moeda inglesa fora de 15%, então após o boicote de Flandres, Eduardo III contra-atacou os banqueiros florentinos e apresentou o seu novo florin inglês ao mesmo valor do florin florentino. Ora, a base da proposta do rei inglês estava no fato que venezianos e florentinos haviam subido o preço da prata a despeito da grande reserva que possuíam, manipulando o câmbio do preço do ouro em relação à prata, de forma que a prata fosse tão valiosa quanto o ouro, logo a moeda de prata inglesa valia tanto quanto o florin de ouro ao ver do monarca. Os Bardi e os Peruzzi naturalmente não aceitaram tal despropósito, a conseqüência eles jamais imaginaram: Eduardo III faltou com a promessa de pagamento da divida. Resultado: aconteceu o “crash” de 1340, dando inicio a crescente desvalorização do florin, que em cinco anos teria seu valor reduzido à metade, ocasionando a queda dos investimentos em ouro na Europa. A sobrevivência das casas bancárias Bardi e Peruzzi após 1340 somente se deu porque a notícia da decadente posição que se encontravam não circulara amplamente, mesmo assim não tardou para que a liga Hanse proibisse a entrada dos banqueiros florentinos em seus domínios comerciais. A casa bancária Bardi quebrou cinco anos após a morte de Filipe VI da França, em 1355, levando com ela os bancos dos Peruzzi e dos Accioli. Assim,  sobreviventes dos cavaleiros templários que refugiaram-se nas brumas britânicas obtiveram a sua inaudita 'vingança' sobre seus perseguidores e de lá continuariam exercendo sua influência velada e obrigatoriamente "secreta".

A estratégica aliança entre Veneza e o império do extremo oriente do cã mongol ocorreu no inicio e durante o colapso econômico que se seguiu ao ano de 1340, dando uma perspectiva positiva de grandes negócios a despeito da fragilidade do contexto econômico europeu após o default da Inglaterra. Mas, desta vez a ganância veneziana encontraria um sério oponente: o destino. 

Durante o império mongol (1230-1370) as rotas comerciais que uniam as rotas romanas às rotas da seda eram mantidas pela cavalaria mongol, e foi através da cavalaria mongol que a peste negra (bubônica) avançou pela Criméia, chegou às galés do Mar Negro, e delas à Sicília e vindo a atingir Veneza. Mas, seria Florença, o centro financeiro do século XIV, a grande vitimada. Para se ter idéia do quão  estagnados ficaram os investimentos na cidade de Florença durante o boom das casas bancárias, nenhuma das pontes que afamam e caracterizam a cidade foi construída no século XIV, todas elas pertencem ao século XIII. Esse descaso com os investimentos que trouxessem melhorias à cidade atingia também o serviço de fornecimento de água e à estrutura sanitárias, os quais eram sumamente precários. Com estas péssimas condições de saneamento básico, Florença recebeu a peste negra de braços abertos para dizimar a sua população no ano de 1346. Por quarenta anos a população florentina ficaria estagnada, em 1380 o colapso econômico florentino seria uma realidade.

Com a morte de Filipe VI de Valois, em 1350, sucedeu-lhe seu filho João II, o Bom, mas logo este teve que lutar com Carlos II de Navarra, o Mau, defensor da linhagem direta capetíngea de Filipe IV, tendo este como aliado Eduardo III. O rei francês da casa de Valois foi vencido em Pointiers, na Aquitânia, pelo jovem filho de Eduardo III, o afamado príncipe de Gales, Ricardo, mais conhecido como o Príncipe Negro. Em 1356. João II, o Bom, foi levado para Londres, depois de assinar acordos que davam maiores poderes aos ingleses sobre a França, e só pode retornar ao território francês, deixando dois de seus filhos como reféns. Enquanto Eduardo III e o Príncipe Negro estavam em suas campanhas militares, o governo era deixado nas mãos do filho mais jovem João de Gaunt, duque de Aquitânia. A economia prosperava pelo desenvolvimento do comércio da lã, criando um ciclo de prosperidade no reino.

Em 1359, João de Gaunt casou-se com a herdeira do ducado de Lancaster, que o fez um príncipe rico com mais de trinta castelos e vastas propriedades através da Inglaterra e da França. Seus domínios eram comparáveis em escala e organização a de um monarca. Todavia, enquanto Eduardo III e o Príncipe   Negro tinham o status de heróis populares pelos sucessos nos campos de batalha, João de Gaunt ficava com a espinhosa e impopular tarefa das altas taxações para patrocinar os interesses reais. Quando a peste negra chegou à Inglaterra em 1374-5 os negócios do reino sofreram um natural declínio, obrigando que João de Gaunt aumentasse ainda mais os impostos, o que causou oposição no Parlamento. Quando o Príncipe Negro faleceu em 1376, o poder de Gaunt aumentou e quando seu pai morreu no ano seguinte e o filho do Príncipe Negro, foi coroado aos dez anos como Ricardo II, João de Gaunt foi o virtual governante da Inglaterra durante a minoridade do novo rei. 

O rei da França morreu em 1364, seu filho Carlos V, o Sábio, que já fora regente e negociara o tratado de paz com a Inglaterra em 1360, assumiu o trono francês dando o início em 1374 a recuperação das perdas francesas para Inglaterra do primeiro período da Guerra dos Cem Anos. Em 1380, quando Carlos V, o Sábio, faleceu restava aos ingleses apenas Calais e parcas regiões vizinhas. O sucesso de Carlos V se deveu mais aos problemas internos da Inglaterra, como o crescente descontentamento dos camponeses e a ausência de uma liderança militar eficiente, porquanto João de Gaunt jamais pusera os pés num campo de batalha. Uma desconfiança de alguns de seus pares, que suspeitavam que Gaunt esperava apenas uma oportunidade para tomar o trono, também enfraquecia a sua liderança política, apesar de que Gaunt conhecedor das desconfianças que lhe rondavam ser deveras cuidadoso para que nunca seu nome fosse associado com a oposição ao reinado de Ricardo II. Contudo, ao completar vinte anos o rei resolveu assumir o poder e despachou João de Gaunt, em 1386, como embaixador para Espanha. Ricardo se cercou de um conselho constituído por seus protegidos da alta nobreza, mas a crise começou um ano após a partida de Gaunt. O descontentamento dos barões com as decisões do novo conselho real e a má governança estabelecida pelo rei fomentava uma crescente tensão política, que lançava a ameaça da eclosão de uma guerra civil a qualquer momento. Somente com o retorno de Gaunt à Inglaterra os ânimos se acalmaram, e o duque conseguiu com habilidade restabelecer o entendimento entre o Parlamento e o rei, dando inicio a um período de estabilidade e relativa harmonia, o que deu a Gaunt a reputação de devoção ao bem-estar do reino, o que restaurou a sua imagem pública.

Henrique de Bolingbroke, filho de João de Gaunt, não tinha o mesmo talento diplomático que o pai, e acabou se indispondo com o Ricardo II, seu amigo de infância, já que ambos nasceram em 1367. Por sua oposição política, em 1397, Henrique foi banido por dez anos da Inglaterra pelo rei, que contou com o apoio do próprio João de Gaunt para sua decisão. Quando seu pai morreu, em 1399, Henrique se revoltou com a atitude inexplicável de Ricardo II, que declarou todas as propriedades de João de Gaunt como pertencentes à coroa, tirando todos os bens que Henrique teria por direito hereditário. Por causa disso, naquele ano mesmo, Henrique Bolingbroke retornou à Inglaterra e depôs o impopular Ricardo II, e tomou o trono para si, como no passado só o fez o normando Guilherme, o Conquistador, e passou a reinar como Henrique IV da Inglaterra. Com Ricardo II findou a casa real da coroa inglesa dos Plantagenetas e com Henrique IV foi fundada a casa de Lancaster. Findava também com esta mudança um processo político que funcionara por mais de dois séculos na Inglaterra, assim como inaugurava um tempo de disputa pelo poder real, que desembocaria na Guerra das Duas Rosas.

O primeiro sintoma da mudança da direção da política econômica européia foi uma onda contra as práticas comerciais italianas: os métodos bancários venezianos foram banidos em 1401 por Martin I de Aragão; Henrique IV da Inglaterra proibiu os juros em 1403; os banqueiros genoveses foram expulsos de Flandres em 1409 e em 1410 os mercadores italianos eram expulsos de Paris. Mas, tais atitudes foram apenas pequenas batalhas comerciais perdidas, ao fim essa guerra financeira seria vencida novamente pelos florentinos na pessoa de Giovanni di Bicci de’Medici.

Giovanni di Bicci de’Medici nasceu no seio da família Bardi em 1360. Cresceria no momento posterior a falência da casa bancária Bardi, onde o desejo de recuperação do status perdido era naturalmente acalentado na família. A crise aberta após a frustrada tentativa do papa Gregório XI de experimentar um retorno do papado a Roma, em 1378, favoreceria os interesses do jovem Giovanni. O papa faleceu pouco tempo depois de sua chegada à antiga sede do pontificado, um novo papa precisava ser escolhido. Uma mobilização romana ameaça com violência se um italiano não for eleito pontífice, porquanto desde 1305 se sucediam apenas franceses no papado. Um arcebispo foi eleito, Urbano VI, oriundo do reino de Nápoles, governado por um dos braços da rede de Anjou.

 Logo a arrogância do novo papa conquistou inimigos. Então, o cardeal Roberto de Genebra, filho do Conde de Genebra, da Casa de Savoy, apesar de ter votado em Urbano, lidera uma coalizão de 30 cardeais franceses para declarar a eleição anterior inválida. Ele mesmo acaba sendo eleito papa, com o nome de Clemente VII, naquele mesmo ano. Clemente VII com restabelece a sede do papado em Avignon com o apoio dos reinos da França, Escócia, Castilha, Aragão, Navarra, Portugal, Dinamarca, Noruega, Savoy e alguns estados germânicos. Enquanto que Urbano VI permaneceu em Roma com o apoio da Inglaterra, do norte da Itália e do Sacro Império Romano Germânico. Tal divisão da cristandade foi o marco do episódio conhecido como o Grande Cisma do Ocidente.

Em resposta à restauração de Avignon como sede do pontificado, Urbano VI excomunga Clemente VII, em seguida no ano de 1381 confisca o reino de Nápoles e destrona a rainha Joana I de Anjou e o dá ao seu sobrinho Carlos Durazzo, primo em segundo grau da rainha e casado com uma sobrinha dela e de Urbano VI. Durazzo fora adotado por ela desde criança, mas por causa de sucessivos dissabores com seus parentes em Nápoles, adotara Luis II de Anjou, seu primo e neto de João II da França. Carlos Durazzo prende e mata Joana em 1382, tornando-se rei de Nápoles. Logo depois reclama para si também a coroa da Hungria, outro braço de Anjou, e acaba assassinado lá em 1386. Logo após a morte de Durazzo, seu filho ainda menor de idade Landislas foi expulso de Nápoles. Urbano VI que havia se refugiado em Genova por causa da perseguição de um ingrato Carlos Durazzo, ao saber da sua morte retorna para Roma, e ele mesmo toma a frente da defesa dos interesses do sobrinho-neto. Urbano VI morreu em conseqüência de uma queda de sua mula em 1389, para seu lugar foi eleito Bonifácio IX, membro de uma família baronial de Nápoles. Menos de um mês depois da eleição do novo papa em Roma, Clemente VII coroou Luis II de Anjou como rei de Nápoles, lhe prometendo a maioria dos Estados Pontifícios. Ao tomar conhecimento disto Bonifácio IX corou Landislas, filho de Carlos Durazzo como rei de Nápoles em 1390, no mesmo ano Luis II de Anjou tomou posse do seu reino napolitano, dando início a uma disputa com o papado de Roma que duraria uma década.

Em 1394, Clemente VII faleceu e um novo papa foi eleito em Avignon, Benedito XIII, perpetuando o cisma católico. Bonifácio IX morreria em 1404, sendo sucedido por Inocêncio VII, que despertou a ira dos gibelinos romanos que apoiavam os imperadores romano-germânicos. Seu curto papado seria marcado por violência e descontentamento, o que teria lançado suspeitas sobre a natureza de sua morte ocorrida em 1406, ele foi sucedido por Gregório XII, o qual era aparentado com Landislas, que fora excomungado apesar de todo apoio dado à manutenção de Bonifácio IX no papado. Gregório XII propõem a Benedito XIII que ambos renunciem em beneficio de uma igreja unida, apesar do rei da França Charles VI declarar sua neutralidade na disputa do papado em 1408, os papas não querem renunciar, a solução vem no Concílio de Pisa em 1409, com a eleição de um terceiro papa Alexandre V que permaneceu apenas até 1410, sendo sucedido por João XXIII. O absurdo acontecera na Igreja de Roma, três papas exerciam o papado, um em Avignon, outro em Roma e mais um em Pisa.

Luís II de Anjou aliou-se ao papa de Pisa, cidade cujo protetorado fora conquistado pelos florentinos em 1406 dos genoveses. A despeito desta aliança Luís II perdeu a batalha para Landislas em 1410, contudo seus filhos com Yolanda de Aragão reinariam em Nápoles a partir de 1417, fato que coincide com as decisões tomadas no Concílio de Constança, aonde finalmente se chegou a um consenso para ocupação do trono de Pedro de um único pontífice na pessoa do ilustre romano Martinho V. Assim, terminaram tanto o problema do reino de Nápoles dos Anjou como o Grande Cisma do Ocidente.

Ao final do concílio em maio de 1418, Martinho V deixou a beleza plácida do lago Constança, nas fronteiras da Áustria, Suíça e Baviera, e atravessando os Alpes chegou ao norte da Itália, e no caminho de volta a Roma parou em Florença. Uma viagem que normalmente durava uns quinze dias foi feita com mais vagar, mas certo foi que o novo papa permaneceu em solo florentino até 1420. Sem dúvida Martinho V tinha muito o quê conversar com os florentinos, principalmente sobre como restabelecer a prosperidade perdida da Igreja de Roma e assegurar que o saneamento nas finanças pontifícias fosse devidamente feito. Giovanni di Bicci de’Medici se tornou no transcurso deste tempo um astuto financista, em 1410 apostara todas as suas fichas no retorno do papado para Roma. Em retribuição ao seu apoio os papas passaram a fazer uso do banco Medici, além do que passou a receber as taxas dos contratos de produção agrícola e somando também aos seus bens algumas minas de alumínio. Essa aliança entre os Medici e o papado seria próspera e duradoura. Seu filho Cosimo Giovanni de’Médici herdou o que pode ser considerada uma das primeiras companhias multinacional do Ocidente, com um poderoso banco, vastos interesses comerciais e uma rede de influência que abrangia do norte da Itália à Europa.

Cosimo Medici foi patrocinado em sua escalada política pela chamada gente nova florentina, constituída basicamente de imigrantes. Rinaldo degli Albizzi promoveu o exílio de Florença de Cosimo em 1433. Não tardou um ano e Cosimo estava de volta, para depor seu rival e assumir o governo da República florentina, cargo em que permaneceria até o fim de seus dias. Cosimo fez com que Florença se tornasse o fiel da balança entre o poder de Milão e Veneza. Sua política poderosa desencorajou qualquer interferência da França ou do Sacro Império Romano Germânico ao norte da Itália. No ano de 1440, o Banco Medici, além do câmbio monetário do comércio, dos créditos pessoais e dos empréstimos governamentais, também passou a ser o coletor oficial dos impostos para a Igreja de Roma, assim como, com a cobrança de uma taxa em todas as transações comerciais entre ela e os mercadores, garantia um significativo lucro à Igreja.  Mas nem tudo foi lucro para o bem sucedido banqueiro, que fez do Banco Medici o maior do seu tempo.  O rei da França, Luís XI, assim que subiu ao trono em 1461, lançou o projeto de uma única moeda nacional, criada e controlada pela coroa. A forma mercantilista de economia nacionalista de Luis XI foi combinada com pronunciada hostilidade contra as técnicas italianas de crédito e liquidação de débitos, uma atitude que influenciaria grandemente as atitudes dos outros reinos europeus.  Cosimo morreu em 1464, aos setenta e cinco anos, deixando a herança que recebera de seu pai muitas vezes multiplicada para seu filho, Piero Cosimo de’Medici.

Piero não era um brilhante banqueiro como seu pai, mas foi suficientemente capaz para que as coisas corressem de maneira tranqüila no banco. Ele tinha uma larga visão financeira, os bons resultados de suas decisões permitiram que levantasse os longos empréstimos, alguns para vários amigos dos Medici que seu pai apoiara. De imediato a concorrência comercial se acirrou entre os mercadores, e um grande número dos mercadores envolvidos nos negócios foram levados à bancarrota. Este fato que promoveu a união dos que se oponham aos Medici. Em razão de sua frágil saúde, Piero faleceu em 1469. Seu filho Lorenzo di Piero de’Medici, com apenas vinte anos, o sucedeu tanto nos negócios como à frente do governo de Florença.

O futuro de Lorenzo estaria intimamente ligado aos humores do papado, seu período revelará os interesses pouco espirituais da Igreja de Roma, comprovado em seu comprometimento com as coisas temporais e uma crescente corrupção dos valores do cristianismo pela ganância material de seus pontífices. Tal situação respalda o movimento da Reforma, não apenas no aspecto religioso, mas suas conseqüências econômicas e políticas, quando grande parte da nobreza utilizou o movimento reformista para romper com seus compromissos econômicos e financeiros com a Igreja de Roma. O que nos permite dizer que a Reforma foi mais um movimento econômico do que religioso e que a interferência direta do papado no nascente capitalismo foi causa e efeito da Reforma. Raramente os historiadores apresentam este aspecto, cujos fatos obscuros passam em branco, como se o estudo e o ensino deste aspecto, não fosse relevante às novas gerações. Contudo, só tendo este conhecimento se pode compreender que o passado humano não é feito de fatos isolados, cujas causas são espontâneas ou motivadas por um idealismo de um mundo mais justo e benéfico para maior parte da Humanidade, em verdade se constata que as “grandes idéias” neste sentido servem apenas aos interesses ulteriores daqueles que as financiam, com o único objetivo de adquirirem mais poder financeiro e político sobre as massas ignorantes, porquanto é sempre a ignorância em qualquer um de seus aspectos que permite as várias formas de escravidão perpetrada por um ser humano sobre outro.