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sábado, 14 de janeiro de 2017

XIX - JACOB FUGGER E O GLAMOUR DOS HABSBURG

XIX - JACOB FUGGER E O GLAMOUR DOS HABSBURG

Em seu tempo Jacob Fugger conseguiu o feito de sair da platéia para as sombras dos bastidores da vida e finalmente ter um papel sob os holofotes do palco do mundo, como nunca antes o fizera um “plebeu burguês”, um “não-nobre”. Na medida em que a nova filosofia humanista granjeava mais adeptos entre os europeus, a idéia de que uma pessoa, não nascida propriamente no tal berço de ouro da nobreza, poderia galgar uma posição social respeitável e de influência ganhava cada vez mais seguidores entre os poderosos e ricos mercadores, que estavam a formar uma nova classe social dos chamados “burgueses”, habitantes dos “burgos”, vilarejos e cidades comerciais. Assim, a ascensão social foi deixando de ser uma condição de nascimento para ser uma condição de mérito pessoal.

Anteriormente, a elite patrícia do Império Romano deixara para trás o seu passado republicano democrático exercido pelo poder senatorial e passara a favorecer o governo militar de seus generais eleitos como Césares, que passaram a contar a partir de Octávio Augusto com um suspeito ‘poder divino”. A elite patrícia romana logo veio a perder seu “status quo” quando a cidadania romana foi estendida para todos habitantes do vasto império romano, com o intuito de aplacar os clamores de descontentamento das suas colônias. Com o crescente empoderamento dos bárbaros, os patrícios viram por bem atribuir-lhes títulos de “nobreza” que quase sempre vinha acompanhado com glebas de terras proporcionais à contribuição que poderiam fazer ao novo Estado Romano, instituindo assim os graus de vassalagem.  Os títulos de nobreza foram amplamente usados após o período de cristianização do Império Romano e foi essa uma estratégia política de grande sucesso em face da formação da nova sociedade romana-cristã na Europa. A distribuição de títulos de nobreza entre os lideres bárbaros em troca de suas conversões ao cristianismo assegurava que fossem vassalos à Roma. Tal “título de nobreza” também tinha o poder de revestir com um caráter de dádiva divina o seu possuidor, capaz de o integrar a uma casta de “homens superiores”,  separando por poder divino os homens em senhores, servos e escravos, sendo que a escravatura  desde os mais remotos tempos da Humanidade sempre fez parte da cultura humana milenar, atravessando os tempos chegou à atualidade com base na subjugação de um ser humano por outro ser humano. 

A filosofia humanista não só deu origem a uma nova cultura renascentista como também começou a estabelecer gradativamente uma numa nova ordem social. Quem antes era apenas um reles “plebeu-servo” através de seu próprio trabalho, esforço e mérito ao adquirir uma influência social digna de nota poderia ter o direito a um novo status social: o de “plebeu-burguês”, status esse recebido através dos atributos de benefícios chamados “lisonjas” em troca de seus serviços ao seu senhorio, a exemplo do mesmo conceito antigo que fizera proliferar as ordens de cavalaria. Contudo, doravante, a elevação numa sociedade severamente hierárquica e estratificada, passaria a se dar em razão da contribuição ao desenvolvimento e progresso do burgo (cidade) de origem, sobretudo em parâmetros econômico e financeiro. Portanto, quando nós averiguamos o destino de Jacob Fugger encontramos nele a chama invulgar de uma inteligência-viva e ambiciosa, sobretudo a existência de uma “inspiração” interior que movia o seu ser ao desejo de “ser alguém”, consciente que este “ser” dependia inteiramente de “ter” uma riqueza suficiente, que viesse a permitir a ele “ser alguém” aos olhos de uma sociedade claramente dividida entre privilegiados de nascença e os excluídos pelo nascimento, mas de sorte que  com os novos tempos a “proeminência” poderia agora ser comprada.

Para nós entendermos exatamente o que acontece com o destino de Jacob Fugger, nós precisamos nos aprofundar no cenário em que ele viveu e nas tramas de poder do seu tempo. Jacob Fugger nasceu a 6 de março de 1459, logo após um cataclisma de dimensões apocalípticas que assolou o mundo, com consequências dramáticas para o continente europeu, o tempo era de reconstrução, repleto de oportunidades para quem se arrojasse a idéias novas. Ora, com as sucessivas desgraças que se abateram sobre os povos europeus do século XIV ao início do século XV (descrito no capítulo XVI - O APOCALIPSE DE UMA ERA, link disponível no índice de publicações); guerras, fome e peste foram responsáveis pela grandiosa transformação na maneira de pensar dos europeus, sendo que até então sua grande maioria vivia uma vida de servidão, tendo como base o modo vivente de inteira “obediência servil à Deus”, que não permitia questionamentos. O total controle da servidão sobre reis ou camponeses, ricos ou pobres estava nas mãos dos representantes de Deus na face da terra: os sacerdotes de Cristo da Igreja do Império Romano do Ocidente (Roma) e do Oriente (Constantinopla). Naquele tempo os textos apocalípticos divulgados pelos sacerdotes cristãos eram vistos como o anúncio da deflagração de um mal necessário, o qual daria as condições para a prometida segunda vinda de Jesus. Nada muito diferente do que acontece em nos nossos dias. Contudo, a diferença é que as pessoas daquele tempo ignoravam tudo que sabemos hoje, e se aterrorizavam com as desgraças proféticas que estavam vivenciando em seu dia a dia. 

Milhares e milhares de pessoas morreram naqueles tempos, homens, mulheres, crianças, animais de criação e pastos verdejantes viraram barro pois a chuva não parava de cair. As águas foram contaminadas, o simples ato de se banhar ou tomar um gole de água para saciar a sede poderia ser causa de morte. Foi nesse tempo que as pessoas passaram a beber vinho, cerveja, chás com água fervida e caldos de cebola e legumes fervidos como modo de sobrevivência. O fatal destino não fazia distinção entre os indivíduos, todos eram igualados ao mesmo sofrimento e todos estavam sujeitos à morte fidalga, senhora de todos os seres viventes, uns por ela fadados à vida outros nela encontravam o alívio do sofrimento e o descanso da luta renhida pela sobrevivência. Possivelmente, aqueles que entregavam suas vidas nas mãos de Deus sofressem menos. Todavia, tal destruição avassaladora não fazia o menor sentido para aqueles que refletiam sobre a razão de tal destino devastador, que numa mesma casa, numa mesma família, alguém sobrevivia enquanto outros tinham as valas comuns como destino. 

É difícil para os filhos da modernidade contemporânea imaginar o “terror” daqueles tempos, quando o cheiro putrefato da morte antes próprio apenas dos campos de batalha, passara a impregnar o ar de todos os lugares. Não era por boa educação ou maneirismo snobe e fútil, mas por pura necessidade, que fazia-se o bom uso de um pano embebido com algum ungüento perfumado, tal uso era este obrigatório para poder respirar cobrindo a boca e o nariz. Sim, pois o simples ato de respirar tornara-se repugnante. Mas, sem dúvida, foi  esse modo de evitar a sensação tão desagradável um dos motivos para sobrevivência de muitos, pois impedia a aspiração de impurezas, vírus e bactérias. Do mesmo modo o uso de luvas não era mais só em razão de prevenir bolhas e calos nas mãos por conta das rédeas nas cavalgadas, mas veio a ser também um impeditivo de transmissão de doenças. Do mesmo modo novos hábitos alimentares e o uso de água fervida vieram em decorrência do medo da peste, motivo de pesquisas de estudiosos que vivenciaram essa época tais como Leonardo Da Vinci. 

Ora, após o testemunho desses terríveis acontecimentos apocalípticos, era de se esperar que a cristandade daquela época se visse em sua ignorância tomada de fanatismo fervoroso, com a espera cega da segunda vinda de Jesus, o Cristo Salvador do Mundo e ter  um lugar cativo em seu futuro reino sob a Terra. Contudo, conforme o tempo passava e chegava-se ao final do século XV, e a esperada vinda de Jesus não se dava, as pessoas passaram a ter de lidar com suas próprias desgraças, pois a vida continuava implacável apesar de tudo e de todos. Então, poderosos cristãos se levantaram determinados a fazerem a justiça de Deus com as próprias mãos. Esse foi o caso dos Reis Católicos da península ibérica européia, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, que unidos pelo matrimônio estavam decididos a chegarem ao despotismo político com o uso da unidade religiosa absoluta, tal como o imperador Constantino o fizera mais de mil anos antes no intuito de assegurar o poder do Império Romano assolado pelas invasões barbaras. 



A Inquisição, antes concebida no século XIV para combater o domínio do poder da Ordem dos Templários, pelo rei da França com o intuito de deter a supremacia sobre a Igreja de Roma e, também, para livrar-se das exorbitantes dividas que tinha junto ao banco dos templários, teria em sua nova prática nas mãos dos Reis Católicos uma linha deveras abusiva: com poderes de extrema violência como forma de repressão a todos que lhes faziam oposição ou eram considerados “infiéis”, objetivando a caça aos árabes mouros e judeus restantes na península ibérica. Assim, de 1478 a 1482 mais de duas mil pessoas foram jogadas nas fogueiras da Inquisição da Península Ibérica. Em seguida, a “conversão” se fez obrigatória, originando os chamados “cristãos novos”. Os que não se converteram, acredita-se algo em torno de trinta mil famílias, emigram para Portugal, norte da África, norte da França, Países Baixos (Holanda e Bélgica) e norte da Itália. Contudo, fossem eles cristãos novos ou refugiados judeus ou mouros, não eram pobres coitados, muito ao contrário, eram famílias que tinham acumulado grandes riquezas e, também, de grande cultura e conhecimento intelectual, calcula-se que eram em número de um milhão de imigrantes pertencentes a nova classe burguesa que surgia. Num tempo em que alguns milhões de pessoas tinham morrido e as populações européias foram reduzidas dramaticamente, o ingresso de mão-de-obra  qualificada e especializada foi muitíssimo valorizada e bem-vinda para quem dela tanto precisava para progredir na formação das novas monarquias nacionais.
Também aconteceu que estes “imigrantes” refugiados traziam na bagagem novos conhecimentos, que incitavam os estudiosos a aprofundar suas reflexões. O foco da atenção em um Deus distante, e muito impiedoso na visão de alguns, passou a mudar colocando o “Homem” como centro dos acontecimentos do mundo. Os novos pensadores não acreditavam que o “mal” fosse um “bem” necessário à concepção de um mundo virtuoso segundo o desejo do Criador. Estava no poder do “Homem” fazer uso do “livre arbítrio” que lhe fora dado por Deus. Nesse tempo, há de se esclarecer, que muitas pessoas; não-cristãos, mulheres e crianças eram consideradas criaturas “sem-alma”, tal como os animais e outros seres viventes. Considerando especialmente as mulheres, a religião romana cristã imbuída dos costumes misóginos judaicos fazia as mulheres serem  obrigatoriamente subservientes aos homens, em total detrimento do poder por elas adquirido no passado pelos status femininos matriarcal das matronas como chefes das famílias e das sacerdotisas como orientadoras religiosas, que faziam as mulheres altamente respeitadas e consideradas nas sociedades grega e romana. Portanto, os novos pensadores homens pós-apocalipticos europeus, mudaram o foco de suas reflexões de Deus para o “Homem” como centro de todas as coisas, mas a princípio desqualificando as mulheres ao mesmo direito. Foi esta mudança de foco que permeou a nova e profunda filosofia humanista e  deu origem ao movimento cultural do Renascimento.

Não admira-se, portanto, que ao final do século XV uma verdadeira “revolução” começou a se dar em dois amplos sentidos: cultural e comercial. O sistema de impressão de Gutemberg dinamizara a fabricação de livros, panfletos e textos informativos, obrigando a população européia a uma rápida alfabetização de mais de dez milhões de pessoas, porquanto o ato da leitura tornara-se uma necessidade social. Ler era primordial principalmente para aquelas pessoas que desejavam deixar a “servidão” e passarem a se integrar à nova sociedade em formação de “homens-livres”, que em sua maioria residia nas cidades-livres comerciais, os burgos, dando origem a nova classe social dos “burgueses”. 

Após a interrupção dramática da Revolução Comercial logo em seu início, quando promovida pelos cavaleiros templários durante o século XIII e início do século XIV, o reflorescimento comercial agregado aos novos atributos intelectuais incentivados pelos conceitos humanistas, veio a trazer novas bases para as práticas econômicas decorrentes de um maior conhecimento matemático e aritmético, dando mais eficiência às atividades comerciais e produtivas garantindo o progresso e desenvolvimento. Em decorrência , também, o aprofundamento nos conhecimentos de geometria, perspectiva e regras de cálculos seriam responsáveis pelos avanços surpreendentes na arquitetura, na engenharia e nas artes visuais de um modo geral. Nesse segundo período da Revolução Comercial, cujos parâmetros foram bem outros do período inicial, foi relevante sem dúvida para seu surpreendente sucesso a reunião de nobres e burgueses num mesmo propósito: o enriquecimento mútuo.

Apresentadas algumas das circunstâncias do cenário em que Jacob Fugger viveu, é mister apresentar também o tecido social de seu tempo: o quem era quem naquela época. Durante o século XV ocorreu uma estratificação cada vez maior da sociedade com uma forte hierarquia, contudo a mortandade trazida pela peste e a fome ceifou a população européia, em decorrência abriu-se brechas na sociedade que deram oportunidades para uma escalada social de “oportunistas”, que não se envergonhavam em se enriquecer com a desgraça alheia. Foi assim com os Medici de Florença, que fizeram o poder de seu nome através da oferta de cuidados médicos durante a peste, a ponto de seus préstimos dar-lhes o nome de família, porquanto “medici” em latim quer dizer “medicinal, curativo, físico, médico”. Como vimos no capítulo anterior Lourenço de Medici (1449-1492) era o grande patrono das artes renascentista e da filosofia humanista, e não há competência intelectual daquele tempo que não tenha passado pelo Palácio Medici em Florença, de Leonardo Da Vinci, Michelangelo ao pensador político Maquiavel, todo inteligência brilhante ambicionava estar em algum momento teria por ambição estar presente na corte republicana de Florença, pois era lá que as coisas estavam acontecendo, tal como alguém ambiciona nos dias de hoje em vencer em New York. Além do mais, a casa bancária dos Medici tornara-se poderosa financiando a Igreja de Roma, e outros reinos europeus após a queda dos cavaleiros templários. Mas, o monopólio de cunhagem adquirido pelos Medici, então responsável pela respeitada moeda florentina, o “florim de ouro”, cunhado desde 1252, cujo prestígio foi adquirido em razão da constante manutenção de sua qualidade de seu peso de ouro puro de 3,5 gramas, fez do florim a moeda corrente na Europa ainda durante o século XV, que só veio a perder sua força monetária com a crise econômica européia de 1533. Todavia, o monopólio da moeda florentina começou a ser quebrado bem antes disso, quando na ânsia de formar um Estado independente econômica e financeiramente as chamadas Monarquias Nacionais passaram a se formar pela Europa e com o beneplácito de Roma puderam cunhar sua própria imitação do “florim florentino”, mas, ressalva seja feita com qualidade sempre inferior, dentre deles os mais usados foram os florins do reino de Aragão, os do Ducado de Borgonha, os do reino da Inglaterra e os do Sacro Império Romano-Germânico. 

A exemplo do ocorrido com os reis Católicos, o ducado de Portugalo também buscou seu estabelecimento como um Estado, na formação de um novo “reino” dotado de uma Monarquia Nacional. Assim, foi através de um aliança matrimonial com a casa real inglesa de Lencastre, pelo qual o ducado de Portugalo foi elevado à condição de reino, um êxito alcançado em razão do apoio militar inglês que impediu que o reino de Castela avançasse sobre o território portucalense. O então duque de Portugalo, Dom João, o de Boa Memória, selou a aliança com João de Gante, que, em 1378, tornou-se o primeiro duque de Lencastre, e era filho do rei da Inglaterra, Eduardo III Plantageneta (ramo da casa real francesa “de Anjou”), mais conhecido como Eduardo de Windsor. João de Gante era casado em segundas núpcias  desde 1371 com Constanza de Castela, neta de Maria de Portugal, e seu irmão Edmundo de Langley, foi o primeiro duque de York e era casado com a irmã de Constanza, Isabela de Castela. Assim, com os interesses de ambas as partes em boa ordem com as circunstâncias foi fundada a casa real portuguesa de Avis, e o antes duque virou o rei João I de Portugal e casou-se com Filipa (ou Philippa) de Lencastre, a filha primogênita de João de Gante. Estabelecendo a aliança luso-inglesa foram filhos do casal real, Dom Duarte I de Portugal (1391-1438), que viria a ser sucessor de Dom João I e que se casou com Leonor de Aragão (1402–1445) estabelecendo uma aliança com a casa real de Aragão, cuja filha Leonor (ou Eleanor) de Portugal (1434-1467) por sua vez casou-se Frederico III Habsburgo, imperador do Sacro Império Romano-Germânico (1452); e a única filha do casal, Isabel de Portugal (1397-1471) casou-se com Felipe, o Bom, duque de Borgonha, da casa real francesa dos Capetos. 



Nessa trama intrigante é preciso ser atento, porquanto esses casamentos ligando a coroa de Portugal à coroa Inglesa, à coroa ducal de Borgonha e à coroa Imperial do Sacro Império Romano serão de suma importância para o palco do contexto histórico que irá se desenrolar nos próximos séculos, fazendo ecoar sua influência até os dias atuais de tal maneira que não se pode e não se deve ignorar. Isso porque ocorrerá um crescente empoderamento das famílias reais em decorrência das alianças matrimoniais, alianças essas cujos contratos matrimoniais seriam capazes de prevalecer sobre as disputas militares constantes do período, tal como a afamada Guerra dos Cem Anos e a da disputa do trono inglês, chamada de Guerra das Duas Rosas. Assim é possível dizer que a História mais do que ser a narrativa de sucessivas guerras, o que é um conceito deveras superficial de quem pouco conhece a História por trás da História, a História é uma narrativa de intrigas sociais e de acordos de matrimônios, que justamente tinham o poder de arrefecer as disputas territoriais com guerras sangrentas, em razão do uso de “contratos de paz” tendo por moeda dotes milionários e garantias de futuras propriedades asseguradas aos “herdeiros” ainda nem existentes. Salienta-se a importância crescente a partir de então do exercício do “Direito”, na prática contratual, geralmente exercida por chanceleres e embaixadores capazes de com o uso de uma notável diplomacia jurídica assegurar vantagens econômicas, financeira e comerciais para os senhores que representavam.



Nesse sentido, foi do bom uso do Direito Contratual que observa-se a notável atuação do duque Felipe III de Borgonha, também alcunhado de Filipe, o Bom (1396-1467), que veio a ser uma grande figura de proa de seu tempo. Foi a partir de 1430, após seu terceiro casamento, desta feita com Isabel de Portugal, única filha de de Dom João I de Portugal e Filipa de Lencastre, que por acréscimo de sucessivas heranças foi crescente a expansão do território e do poder de seu ducado, que com Flandres, Namur, Luxemburgo e Holanda passaram a formar a partir de 1433 os Países-Baixos borgonheses, de modo que em 1453, Filipe III de Borgonha, dito o Bom, pode se tornar o maior mecenas da época encorajando não apenas escultores e pintores, mas arquitetos, engenheiros, matemáticos e filósofos a viverem na sua corte, de certa maneira foi esta sofisticação da corte de Filipe, o Bom, a qual se sobrepunha até a corte da França, que certamente veio a servir de inspiração para aquele que também o primeiro mecenas sem dignidade real, o tão famoso Lourenço de Medici (1449-1492), o soberano da república de Florença, dito “o Magnífico”.

Em 10 de novembro de 1433, nasceu o desejado herdeiro de Filipe de seu casamento com Isabel de Portugal, ele foi chamado de Carlos Martin, que seria alcunhado de o Audaz (ou o Temerário) pelos amigos e o Terrível, por seus inimigos. Carlos foi criado com a melhor educação de seu tempo, tendo acesso aos melhores mestres e a uma riqueza indizível de conhecimento, além do que a corte de seu pai era a mais extravagante da Europa, sendo não só um centro de artes, mas sobretudo de  comércio com as prósperas cidades de Dijon, Burges e Antuérpia. Ao longo de sua juventude, Carlos acompanhou os esforços do pai para unificar os seus domínios em crescente expansão de forma a poder transformá-lo num Estado único e para um dia estabelecer um “reino” independente de vassalagem, pois como herdeiro da coroa da França da casa real dos Capetos, o ducado de Borgonha era subserviente às regras legais da coroa francesa. Por sua vez, Carlos estava obrigado a casar-se dentro da linhagem direta da coroa da França, foi por isso que com apenas sete anos, no ano de 1440, casou-se contratualmente com Catarina de Valois, filha do rei da França, Carlos VII, da casa real de Valois, a qual tinha na época apenas cinco anos a mais que Carlos, mas, quis o destino que ela viesse a falecer aos dezoito anos. Em 1454, Carlos viúvo e com 21  anos tinha por desejo casar-se com a menina de oito anos Margarida de York, filha do terceiro Duque de York, irmã do futuros reis ingleses Eduardo IV e de Ricardo III. Carlos tinha por desejo estabelecer uma aliança frutífera com a Inglaterra, considerando o largo histórico comercial da Inglaterra com o Ducado de Borgonha, mas esse desejo seria adiado devido às suas obrigações com a casa real francesa, assim Carlos casou-se novamente com sua prima-irmã Isabel de Bourbon, prima do rei da França, Carlos VII. O casamento ocorreu em 1454 e em 1457 nasceu ao casal uma filha, que foi chamada de Maria. Todavia, Carlos ficou viúvo novamente em 1465.  

Por ocasião da nova viuvez de Carlos, o Audaz, então conde de Charolais, Margarida de York contava com 20 anos e continuava solteira. Por sua vez a situação de Carlos tinha mudado, ele passara a ser muito respeitado pelo pai, que o encarregara a governar a Borgonha, e ainda tinha aquele seu desejo intimo de realizar um casamento inglês para estabelecer uma forte aliança contra a coroa da França. Entrementes a disputa entre as casas reais de York e a de Lencastre, remanescentes da casa real Plantageneta, se consolidou a partir de 1455 na chamada Guerra das Rosas (rosas branca e vermelha respectivamente) e só veio a se encerrar em 1485, quando um candidato da casa de Lencastre, Henrique Tudor derrotou o último rei de York, Ricardo III, e casou-se com a filha de Eduardo IV, para selar a paz e unificar as casas reais, subindo ao trono da Inglaterra como Henrique VII.
Em 1460, o pai de Margarida de York faleceu em desgraça, derrotado pela facção Lencastre, mas o trono seria recuperado com seu irmão Eduardo IV, o que tornou Margarida de York mais valiosa como irmã do rei, e logo Carlos, o Audaz, enviou seu assessor mais próximo para negociar os termos do matrimônio com Eduardo IV da Inglaterra. Contudo, o rei inglês demonstrou maior interesse pelas ofertas da coroa da França, que havia apoiado sua chegada ao trono, e oferecera a Margarida de York um casamento com o Duque de Savoy (ou Saboya), cunhado de Carlos VII, rei da França. Assim, Carlos, o Audaz, com os seus brios ofendidos acabou colocando uma série de empecilhos nas relações comerciais anglo-borgonhesas. Todavia, em 1466, na berlinda dos casamentos, Margarida de York foi prometida a Pedro de Coimbra, Condestável de Portugal, sobrinho de Isabel de Portugal, mãe de Carlos, o Audaz. Mas, por dessas coisas do destino o noivo português de Margarida morreu subitamente ao meio daquele mesmo ano e Margarida ficou disponível outra vez.
Em 1467, Filipe, o Bom, faleceu. Carlos, o Audaz, tornou-se o novo duque de Borgonha. Por sua vez na Inglaterra, Eduardo IV estava enfrentando novas conspirações da casa de Lencastre, e mais do que nunca o apoio de Carlos de Borgonha, seria bem-vindo e mais do que necessário para o sustento do trono, de modo que em outubro daquele ano foi acordado o casamento e  teve início as negociações do casamento entre a duquesa Isabel, mãe de Carlos e o rei da Inglaterra que procederam de dezembro de 1467 a junho de 1468. A demora se deveu às investidas do novo rei da França, Luís XI (1423-1483), que sucedera ao pai em 1461, e, seguindo a política contra a independência do ducado de Borgonha fazia de tudo para impedir o casamento de Carlos com Margarida. Luís XI chegou ao ponto de fazer pressão sobre o Papa para que ele desse a recusa à dispensa para o casamento, alegando que eram primos em quarto grau. Uma bobagem, pois Carlos até com uma prima de primeiro grau já tinha se casado, a própria irmã de Luís XI e depois com a prima-irmã Isabel de Bourbon!  Não conseguindo sucesso, o rei francês investiu em comprometer o crédito de Eduardo IV com os banqueiros internacionais, para impedir o pagamento do dote de Margarida. Luís também incentivou os ataques da casa de Lencastre, mas não obteve sucesso. Então, ele não teve nenhum escrúpulo e  partiu para a calúnia, alegando que Margarida não era virgem e que tinha um filho bastardo. Os ataques de Luís XI foram ignorados. A “dispensa” papal foi assegurada com o pagamento de um alto suborno pago pelo ducado de Borgonha aos cofres do papa.
Como se fosse cena de um romance de capa e espada, no dia 23 de junho de 1468, Margarida de York deixou a Inglaterra sob forte escolta, pois o rei francês Luís XI tinha ordenado a seus navios para capturar a noiva durante a travessia, mas a comitiva de Margarida chegou em segurança ao continente, sendo recebida por suas futuras sogra Isabel e sua enteada Maria na noite do dia 25, mas ela só veria seu noivo pela primeira vez depois. No dia 27, Carlos ver-se-ia frente a frente com a noiva, e a visão de Margarida o encantou, com sua aparência de traços finos, sua bela altura e bela postura reta. Foi impossível ficar indiferente àqueles olhos travessos e um sorriso que demonstrava inteligência, humor e generosidade. Já, ele, Carlos, era uma figura truculenta, sem muita estatura - mais baixo do que ela -, e arrogante, mas, quem diria , conta-se que encheu-se de doçura em vista de Margarida. O casamento realizou-se em 3 de julho, não num palácio ou casa real como poderia ser esperado, mas, de maneira espantosa na casa de um rico mercador burguês de Damme. Em seguida o casal partiu para a cidade de conto de fadas de Bruges (Bélgica), onde foi reservada uma entrada triunfal a Margarida ao lado do marido, encantando a todos. A organização do banquete e da festa popular foi tão extravagante, requintada e suntuosa que foi considerado o casamento do século. 


Margarida teria importante papel político nas questões da Inglaterra, induzindo seu poderoso marido a intervir nas disputas familiares, tal como em 1469, quando o seu irmão Duque de Clarence conspirou com a poderosa  associação dos comerciantes de Londres (Mercer’s Company) para depor seu irmão o rei Eduardo IV, o obrigando a fugir com seu outro irmão, Duque de Gloucester, e a pedir refúgio ao Duque de Borgonha. A traição do Duque de Clarence, apoiada pelo padrasto Conde de Warwick, abriu a oportunidade para que a casa de Lencastre com o apoio dos franceses retomasse o trono. Nesse ponto, Carlos não precisou se sentir obrigado a interceder pelo cunhado, porquanto ele jamais pensaria em deixar o trono da Inglaterra cair nas garras do rei da França. Carlos usou de todo o seu poder e astúcia para obrigar a associação dos comerciantes de Londres (Mercer’s Company) a jurar lealdade à Eduardo, sob a ameaça da perda dos direitos de negociação com seus domínios, que diga-se de passagem,  eram os maiores entrepostos comerciais do norte europeu. Foi assim, que em janeiro de 1471, Eduardo VI foi restabelecido no trono inglês e seus traidores foram devidamente mortos, inclusive Eduardo de Westminster, filho de Henrique VI e o próprio morreram, colocando-se um fim na linha direta da casa de Lencastre.
Mas, o que não foi dito e que realmente importava a Carlos, o Audaz, era o seguinte. Sua mãe, a duquesa Isabel, veio a falecer em julho de 1471, recordemos que Isabel era filha de João I de Portugal e de Filipa de Lencastre, o que fazia dela membro graduado da casa de Lancastre. Ora, com o fim da linhagem direta da Casa de Lencastre. Como herdeiro de sua mãe, Carlos passou a ter o direito a reclamar o trono da Inglaterra pela linhagem indireta, o que ele fez oficialmente ao final daquele ano. Contudo, Carlos optou com sua visão de águia por não pressionar o cunhado, vendo mais vantagem para seus  negócios naquele momento manter o apoio a Eduardo IV como rei da Inglaterra.

Porém, foi exatamente dada a essa ambição de Carlos ao trono inglês que a aliança com Eduardo IV viria a ficar fragilizada. Aproveitando-se da situação, o mais fiel adversário de Carlos, o rei da França, Luís XI, fez uso de uma estratégia magistral para solapar o poder do rebelde ducado de Borgonha, que resistia a aceitar os ditames da coroa real da França. Na sua campanha para deteriorar a reputação de Carlos para obter crédito junto a casa bancária dos Médici, responsável sem rivalidade pelo sistema financeiro europeu da época, Luís XI buscava impedir que qualquer carta de crédito fosse negociada por Carlos para o seu ducado. Luís XI também lançou mão de embargos de mercadorias como o a venda de pão e vinho à Borgonha, duas mercadoria básicas fundamentais para a sobrevivência dos borgonheses, pois, naquela época a única bebida conhecida livre de causar doenças era o vinho ou a cerveja, pois beber água era um risco à vida, e o processo de fervura da água para eliminação de bactérias ainda não era conhecido . Tendo em vista tais represálias e desejoso montar um poderoso reino que estendesse seus domínios do Mar do Norte ao Mar Mediterrâneo, Carlos lançou seus olhos de águia para os domínios do seu contra-parente Frederico III (1415-1493), Imperador do Sacro Império Romano, porquanto Frederico fora casado com Leonor de Portugal (1434-1467), que diga-se de passagem era filha do irmão da mãe de Carlos, o rei Dom Duarte de Portugal com Leonor de Aragão, logo, visto que, a falecida esposa de Frederico, também era membro graduado da linhagem indireta da casa de Lencastre, os interesses convergiam. Mas, em matéria de interesses havia muito mais interesse em jogo ao ver de Carlos, o Audaz. 


É nesse momento histórico que os ventos prósperos da fortuna começam a soprar a favor da família Fugger a fim de dar as circunstâncias favoráveis para o destino do seus membro mais proeminente: Jacob Fugger.

Conta a história da cidade germânica de Augsburg, que era por volta de 15 a.C. , quando dois generais romanos acamparam com suas legiões na convergência dos rios Lech e Wertach, ao sul da região aprazível da Baviera aos pés da imponência das montanhas alpinas. Eram os generais Drusus e Tiberius, este último enteado do que seria o todo-poderoso César romano de todos os tempos Octávio Augusto (27 a.C. - 14 d. C.), então em homenagem ao padrasto que o tornaria seu sucessor, Tibério, o Germânico, deu o nome ao local de “Augusta Vindelincorum” que em latim significa “Augusta dos Vindélicos”. Vindélicos era o nome do povo que vivia na região da Récia, cuja capital era Vindelícia, e que fora submetido a Roma pelos dois generais. Por sua localização estratégica, logo o vilarejo viria a se tornar parada obrigatória para os viajantes antes de atravessavam os Alpes. Com a predominância dos germânicos na região, e depois dos romanos-germânicos quando a cidadania de Roma foi estendida a todos os habitantes do império, logo o nome latino da vila adquiriu característica da língua de seus habitantes e passou a se chamar Augsburg. Na Idade Média a vila se tornou um dos mais importantes entrepostos comerciais, sendo passagem obrigatória das principais rotas de comércio entre as feiras de mercadores, que tinham lugar por regiões produtivas da Europa. Em razão de sua importância comercial, ao tempo em que a Ordem dos Cavaleiros Templários dominavam o comércio europeu e seu processo financeiro, no ano de 1276, Augsburg alcançou o importante status de Cidade Imperial Livre do Sacro Império Romano Germânico. Ora, este status dava aos seus habitantes o status de “homens-livres”, ou seja, que não estavam obrigados ao regime de servidão, podendo agirem com seus próprios negócios comerciais e financeiros, além disso a cidade passou a ter seu próprio governo exercido por um príncipe-bispo eleito, porquanto no tempo em que o Império Romano transformou-se numa teocracia cristã após o século V da nossa era, as mais importantes cidades imperiais foram elevadas à condição de “bispados”, e eram governadas por um “príncipe-bispo” (arcebispos, em titulo monástico comum clerical) que exercia todos os poderes da representação imperial, exercendo o poder episcopal assim como um papel político e civil sobre a sua “diocese”, local em que tinha sua residência e regiões adjacentes subordinadas ao seu poder de influência. E essa elevação como cidade imperial-livre asseguraria seu destino  de crescente importância e prosperidade.


Era o ano de 1452 quando um comerciante de metais e tecidos de nome Lucas Fugger, filho de Andreas Fugger (irmão mais velho de Jacob Fugger, o mais velho) foi agraciado por seus serviços prestados em março daquele ano a Frederico Habsburgo por ocasião de seu casamento com Leonor de Portugal em Roma, seguido à coroação como novos Imperadores do Sacro Império Romano-Germânico, com uma lisonja real que permitia o uso de um brasão de armas, que elevava a ele e sua família da condição da mera situação comum de burguês para a condição de uma aristocracia burguesa, tal como na antiga Roma quando um plebeu passava a ser um nobre patrício, assim mudavam-se os tempos, mas os modos permaneciam os mesmos. Em razão do brasão ter a cabeça de um cervo sobre fundo azul esse ramo da família Fugger foi alcunhado de “Fugger do Cervo”. Essa diferenciação foi necessária porque passado os tempos outro ramo da família Fugger tomaria a frente dos negócios. Foi no ano de 1469, quando os prósperos negócios da família passaram para os primos-irmãos de Lucas Fugger, filhos de Jacob, o mais velho. Ulrich Fugger (1441-1510), o mais velho dos filhos de Jacob Fugger, o mais velho, tomou à frente dos negócios. Todavia, o uso do brasão de armas Fugger não era extensivo à linha indireta, favorecendo a ele e seus irmãos. Assim sendo, Ulrich negociou um proposta com o imperador Frederico III para ter um brasão de armas, e dispondo que a casa Fugger passasse a atuar como firma bancária da casa imperial dos Habsburgo, com o lastro já da enorme riqueza familiar Fugger, formada com grandes recursos comerciais e industriais. Essa aliança com os Habsburgo era mais que necessária, porquanto Ulrich estava interessado na exploração de minas de prata no Tirol e de cobre na Hungria, já que começava a fortalecer-se a idéia econômica do “metalismo” de que seria tanto mais rico, quanto fosse a quantidade de metais preciosos (ouro, prata e cobre) que se possuísse, além de que seus negócios com especiarias, lã e seda poderiam se estender por toda a Europa. O acerto da sociedade entre a casa imperial Habsburg e a casa comercial burguesa comercial Fugger teve sucesso. Com elevação da casa Fugger como companhia bancária a serviço dos Habsburg foi selado também a permissão real do desejado uso de um brasão de armas: o “von der Lilie” (do Lírio), com fundo dourado e azul, com um lírio azul e dourado sobre cada respectiva banda, assim esse ramos da família passou a ser alcunhada de “Fugger do Lírio” e foi o ramo da família que prosperou. Qual foi o preço dessa lisonja? Um vultuoso empréstimo a fundo perdido que a família Fugger faria para as pompas e circunstâncias do encontro do Imperador Frederico III e seu filho o Arquiduque Maximiliano com o tão afamado Duque de Borgonha, Carlos, o Audaz, para a tratativa dos termos do noivado do filho do imperador, Maximiliano de Habsburg com sua única filha do seu casamento com Isabel de Bourbon, a jovem Maria de Borgonha (1477-1482). Portanto, quando Frederico III Habsburgo iniciou a tratativa para a negociação matrimonial tinha algo a mais a lhe dar segurança, Frederico tinha o seu próprio banqueiro e não dependia mais dos humores papal e muito menos da prática dos poderosos banqueiros florentinos da família Medici. 
Desde o último rompimento com o rei da França, Luís XI, em 1471, que Carlos, o Audaz, dava persistentes passos largos para tornar o Ducado da Borgonha inteiramente independente de fato da França, expandindo seu território, investindo na compra de direitos hereditários de seus vizinhos, tal como comprara do Arquiduque da Austria o condado de Ferrete, e outras terras e cidades na Alsácia. Quando o marquês Nicolas de Lorraine-Anjou, da casa real francesa, tornou-se duque de Lorraine, logo herdeiro dos tronos de Bar, Anjou, Maine, Provence, Nápoles e Sicília, com a morte de seu pai em 1470, sendo soberano de um Estado encravado dentro das possessões borgonhesas e tendo em vista o crescente empoderamento de Carlos, o Audaz, viu por bem o jovem duque Nicolas romper seu compromisso de casar-se com Ana da França, filha de Luís XI, e aceitar a oferta do Duque de Borgonha para casar-se com sua filha única, Maria, que passou a ser prometida de Nicolas em 1472, que participou com Carlos da invasão da Picardia e do cerco de Beauvais. Em 1473, no intuito de reforçar a presença nos seus Estados, Nicolas tentou conquistar a florescente cidade de Metz para fazer dela a capital do ducado. Os burgueses da cidade repeliram seu avanço militar com sucesso, e Nicolas de Lorraine morreu subitamente em 27 de julho de 1473, aos 25 anos. Morto Nicolas de Anjou, Duque de Lorraine, rapidamente Luís XI agiu para tomar suas possessões para a sua irmã Yolanda de Anjou (Ana da França), cunhada do grande amigo de Carlos, Jacques de Savoy, a quem fizera governador da Borgonha. Yolanda de Anjou de imediato passou a hereditariedade do ducado de Lorraine e todos seus direitos para seu filho René II, garantido que o novo duque de Lorraine fosse mais próximo do rei da França do que do Duque de Borgonha.  
Pois, então, desfeito subitamente o noivado de sua filha Maria com a morte de Nicolas, e temendo que o novo duque de Lorraine rompesse o acordo entre os ducados, Carlos enviou seu representante para conversar com Frederico III, sugerindo o casamento de sua única filha Maria com Maximiliano, o único filho do imperador com Leonor de Portugal, reavivando a antigo compromisso de proposta nupcial de quando ela tinha seis anos e Maximiliano 6 anos. Nesse momento na cabeça de Carlos uma coroa real imaginária o fazia sonhar alto e muito. 
Carlos não se contentava mais em ser o “Grande Duque” da Europa. Ele concebia um projeto muito mais grandioso, o de formar um reino de Borgonha, tendo ele mesmo como um soberano independente e queria de toda forma convencer o Imperador do Sacro Império de colocar uma coroa de rei na cabeça dele, para que o ato fosse “legal” perante a Igreja de Roma. Mais do que interessado no que parecia ser uma proposta vantajosa para ambos os lados, Frederico aceitou se encontrar em Trier, cidade germânica no vale de Mossele e fronteiriça com a cidade borgonhesa de Luxemburgo. De certo Frederico III não fazia a menor idéia do palco histórico para uma gigantesca exibição pública de riqueza e esplendor magnificente de Borgonha que Carlos organizara com absoluto requinte e extravagância. Basta dizer que durante os preparativos para o encontro, o Duque de Borgonha ficou indignado quando seu pedido foi negado pela diocese administrativa da cidade de Trier de fornecer à sua comitiva metade da cidade, totalmente sem a presença de nenhum germânico. Indignado, Carlos, o Audaz, concordou em ficar com sua comitiva com seis a sete mil cavalos fora dos muros da cidade. Contudo, o resto da organização do banquete e a hospedagem do Imperador foi feita com um luxo e suntuosidade jamais antes visto. Em verdade o encontro de Trier que recebeu inúmeras crônicas a seu tempo foram grosseiramente exageradas, porquanto não se imaginava nem por um instante o trágico futuro que esperava o Duque de Borgonha, e como sabido o lado com mais poder e vitorioso sempre redige a história a seu próprio bel-prazer. O encontro de Trier entre esses dois poderosos lançou uma luz sobre os contrastes cultural e econômico entre a riqueza da Cristandade Latina do Oeste de herança franca, carolíngea, e a sua mais pobre do Leste dos germanos. Chegado o dia 30 de setembro o encontro que se deu fora dos muro de Trier foi de um contraste desconcertante. Conta-se que o cortejo do imperador Frederico III do Sacro Império Romano-Germânico e de seu filho o Arquiduque Maximiliano patrocinado pelos Fugger contava com apenas 2.500 cavalos. Seus cavaleiros de cabelos longos portavam pesadas armaduras e armas, com equipamentos tão pobres que deixaram os borgonheses boquiabertos com tal despojamento para uma comitiva “imperial”. Por sua vez, os germânicos tiveram inúmero motivos para se deslumbrarem com os borgonheses. O Duque de Borgonha apareceu com uma capa dourada que, segundo o  rumor, custara uma fortuna, sendo seguido por 3.000 cavaleiros de cavalaria pesada com armaduras, 5.000 cavaleiros de cavalaria ligeira, 6.000 soldados de infantaria e de artilharia. Como se não bastasse presentes estavam também a nata da nobreza borgonhesa, seus bispos e uma tremenda coleção de tesouros e relíquia. Enquanto o Duque de Borgonha exibia toda a sua magnificência durante os dias que se seguiram com banquetes e solenidades, o Imperador do Sacro Império Romanos era um exemplo cristão de parcimônia. Frederico III trouxera a bolsa com o florins de ouro fornecido pela casa Fugger para as negociações matrimonias e a investidura pedida por Carlos de um título tal dentro do Sacro Império, incluindo qualquer território que ele quisesse, semelhante ao modo que a Boêmia já tinha se tornado uma corrente possessão. Uma proposta fora enviada aos príncipes-eleitores germânicos informando que não só as possessões do Duque poderia fazer parte do reino, assim como também o Ducado de Savoy, o Ducado de Lorraine, Clèves, os cantões suíços e o bispado de Liège, Utrecht, Toul e Verdun, e uma cerimônia de coroação estava sendo efetivamente preparada. Esse era o  valor do dote esperado pelo imperador, e que estava disposto a pagar, mas o duque de Borgonha pediu um preço enorme logo após o primeiro banquete: queria ser nomeado herdeiro aparente do Sacro Império Romano, incluindo o titulo de “Rei de Roma”, título este reservado ao seu filho Maximiliano, Arquiduque da Áustria.
Frederico III muito queria uma aliança com o Duque de Borgonha, mas não estava disposto a ir tão longe. Assim, adiava um novo encontro com Carlos, o Audaz, para fechar o acordo, dizendo que esperava a resposta dos príncipes eleitores. Afora isso, havia também uma pequena questão de bons modos que causou disputas sobre protocólos de honra, tal como o duque que se recusara a sentar à direita do imperador, sendo ele abaixo em grau de nobreza em relação ao imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Outro caso de desconsideração foi numa visita de Carlos à residência ocupada pelo imperador em Trier, em que Frederico insistiu em encontrar com Carlos em baixo na escadaria e fora do prédio, mas Carlos não queria ouvir sobre isso, ele subiu os degraus e esperou mais de hora para ser introduzido na residência. Em resumo, após esse episódio no dia 2 de outubro, um sábado, desagradado com a atitude do duque, na calada da noite Frederico III partiu de Trier sem dizer adeus acompanhado de sua comitiva, levando consigo o dinheiro da investidura e da negociação matrimonial, deixando para trás um homem abatido e frustrado, que chegara ao encontro como duque e desejara sair como rei. Ao ver do imperador, Carlos poderia até ter tido uma coroa de rei na cabeça, desde que não quisesse ter justo a coroa do seu próprio filho Maximiliano e esse foi seu vacilo. Apesar de toda frustração causada por Frederico III, ao final daquele ano de 1473, o Ducado de Borgonha atingiu a fronteira com a França e expandiu seu domínios  para os Países Baixos, o que tornou Carlos, o Audaz, um dos nobres mais ricos e poderosos da Europa, chegando a sua fortuna a rivalizar com a do Rei da França e humilharia muitas das famílias reais. Contava Carlos, então, com 50 anos e era o duque mais poderoso da Europa.

O orgulho do Duque de Borgonha pode-se acreditar fora mortalmente ferido por Frederico III no malfadado encontro de Trier. Todavia, Carlos não perdera de vista seu sonho de um grandioso reino da Lotaríngia, que fosse do Mar do Norte ao Mar Mediterrâneo e separasse as fronteiras da França e do Sacro Império Germânico Romano, cortando a Europa ao meio. Agora, cego por seu orgulho ferido, ele estaria disposto a guerrear com quem que que fosse que se antepusesse entre o seu sonho de grandeza e a sua realização.  Carlos, o Audaz, nascido a 10 de novembro de 1433,  incorporava todos os atributos de um típico filho do signo astrológico de Escorpião. O seu comportamento aparentemente tirânico, insensato era de uma racionalidade gélida e uma persistência que beirava a teimosia. Carlos era focado apenas na realização da própria vontade e de suas ambições. Portanto, considerando o que os mais antigos astrólogos babilônicos diziam de que “os astros sugerem, mas não determinam”, é possível dizer que o Duque de Borgonha foi tomado pelo seu caráter natural, imbuído de toda uma paixão por sua ambição expansionista e usou de toda a sua frieza racional para enfrentar os desafios à sua realização. Mas, o que Carlos não contava em razão de sua auto-estima exacerbada que o cegava é que uma trama sórdida fosse conspirada por seus rivais contra ele.


Contudo, há de se contrariar seu detratores que insistem em suas crônicas históricas em dizer que Carlos buscou sua própria desgraça e que ele deu início às chamadas “Guerras da Borgonha” (1474-1477). Não foi bem assim. Após o fracasso do encontro de Trier, Carlos que antes angariara aliados para a formação de um novo “reino” poderoso, passou a ser traído por cada um deles. Primeiro foi o Arquiduque Sigismundo Habsburg da Áustria (sobrinho de Frederico III), que pediu a restauração das suas antigas possessões na Alsácia, renegando o acordo que fizera o duque de Borgonha seu herdeiro em 1469, pelo qual Carlos tinha pago uma vultuosa soma de dinheiro. Naturalmente que Carlos não iria romper tal acordo, pois, em verdade, Sigismundo só o fizera acordo com o Duque de Borgonha por covardia, por conta do avanço dos temíveis mercenários suíços sobre o seu território. Ora, naquele início do ano de 1474, depois que os suíços tinham se organizado numa Confederação, unindo os seus cantões, Sigismundo da Áustria acabara por assinar um acordo de paz com os suíços, o que justamente veio a lhe dar uma inusitada coragem e o levou a fazer a proposta para recompra de seus territórios e dos direitos hereditários vendidos ao Duque de Borgonha. Frente a natural recusa de Carlos de revender-lhe o acordo do tratado de Saint-Ormer, o Arquiduque Sigismundo formou uma “liga anti-borgonhesa” com a Confederação Suíça para recuperar seus antigos domínios. O clima de conspiração teve assim seu início no Alto Reno para vir a ser o estopim de uma tão desejada guerra contra os borgonheses. 
Após a compra das possessões na Alsácia em 1469, o Duque de Borgonha colocou no governo da região do Alto Reno seu fiel general Pedro von Hagenbach, de família da pequena nobreza alsaciana e que possuía na Alsácia seu próprio castelo. Hagenbach comandava a nona companhia das tropas borgonhesas. Seus detratores descreviam Hagenbach como um homem brutal cruel, mas em verdade ele era sempre comprometido e fiel aos interesses de seu senhor o duque de Borgonha Carlos, o Audaz. Na região ainda permaneciam soldados zuavos do Sacro Império Romano-Germânico que antes representavam a oposição aos mercenários suíços, mas com o novo acordo de paz assinado entre Sigismundo Habsburgo, Arquiduque da Áustria, e a Confederação Suíça, suavos e suíços tornaram-se aliados. Não foi de espantar que logo começaram a ocorrer várias rebeliões nas cidades do Alto Reno contra a “tirania” de Hagenbach. O fiel general de Carlos acabou sendo feito prisioneiro durante a ocupação dos suavos da cidade de Breisach, onde foi formado um tribunal inusitado do Sacro Império Romano-Germânico apenas com o fim de julgar Hagenbach, acusado de crimes de guerra praticados durante a ocupação da cidade de Breisach, onde considerou-se que sendo ele um cavaleiro teria o dever de prevenir atrocidades em respeito a uma suposta lei de obrigação, nunca antes posta em exercício de juízo, de que os comandantes tinham a obrigação de agir conforme a legalidade vigente. Hagenbach defendeu-se alegando que só cumprira as ordens do Duque de Borgonha, a quem o Santo Império Romano Germânico em seu acordo assinado pelo Arquiduque Sigismundo da Áustria tinha dado Breisach. Apesar de estar dentro da lei do uso explicito da “Doutrina de Mando”, Hagenbach foi julgado culpado e pela primeira vez se deu uma sentença com um veredicto contrariando a “Doutrina de Mando”, alegando-se “crime de guerra” não respeitar leis vigentes locais. Esse julgamento foi dado como que o “primeiro reconhecido internacionalmente”, condição essa posta ao relato feito pelos inimigos de Carlos, o Audaz, do julgamento para justificarem a decapitação do governante do Alto Reno, o general Pedro von Hagenbach, em 9 de maio de 1474, como mero intuito de preservar atos rebeldes futuros de deposição de autoridades dentro do próprio Império Romano Germânico de deposição de autoridades. Em desfio ofensivo à Carlos, o Audaz, Duque de Borgonha, a cabeça de seu leal general foi espetada num pau, depois mumificada e guardada junto com a espada de seu verdugo, ainda hoje sendo exibida no Museo de Unterlinden, na cidade de Colmar, na Alsácia francesa. Apesar de tal afronta Charles não entrou em guerra para retomar Breisach.

Mas, a trama seria urdida em mais uma armadilha. Em dezembro de 1473, ocorrera que a cidade de Colônia, no Reno do Norte, Westfália, cidade-membro membro importante da Liga Hanseática (Hanse) de comércio, na pessoa do seu arcebispo Rupretch do Palatinate, entrou em desacordo com Roma, por não ter pago a requerida contribuição de sua diocese para com Roma, e foi excomungado em 1472 pelo papa. Desejoso de conter os crescentes privilégios da cidade que desconsiderava os tributos devidos à diocese e pleiteava se tornar uma cidade-livre, o arcebispo pediu para o Conde de Borgonha o apoio caso necessário, por razões dos vínculos comerciais de seu ducado com Colônia. Assim, Carlos, o Audaz, a declarou-se Protetor de Colônia. Uma tentativa de mediação de Frederico III com Roma, não resultou em nenhum acordo.
É natural que estranhe-se o fato de Carlos, o Audaz, ter se envolvido nessa querela do arcebispo de Colônia que tinha granjeado contra si uma rebelião aberta em Colônia, a ponto de se unirem seus desafetos para proclamarem um outro administrador e protetor da sua própria arquidiocese a sua revelia, o sacerdote Hermann de Hesse, que em em 1473 fora nomeado administrador da catedral de Colônia, dentre as suas funções estava ser administrador do arquivo de Colônia. Ora, Colônia era uma cidades estratégica para a rota comercial que saia do principal entreposto mercantil do Mar do Norte, a cidade de Bruges no Ducado de Borgonha, passava por Antuérpia ainda dentro do ducado, e chegava a Colônia na Alta Alsácia, território germânico, ponto em que confluía a rota Hanseática vinda de de seu principal entreposto na cidade de Lubeck a oeste, de Colônia a rota seguia até Frankfurt onde duas rotas podiam ser tomadas uma que atravessaria os Alpes e levaria a Veneza e outra que passando pela cidade de Augsburg do Sacro Império Romano Germânico, atravessava os Alpes e passava por Milão, na Itália, e chegava ao porto italiano de Genova no Mar Mediterrâneo. Ora, há que se recordar que em 1453 os turcos islâmicos tomaram Constantinopla numa onda de terror  impiedosa que colocou um fim no Império Romano do Oriente, cuja as consequências ecoariam até o Mar Adriático e arruinaria os prósperos negócios dos venezianos que agiriam como piratas para que sua atividade comercial pudesse sobreviver em um tempo tão difícil. Portanto, a rota antes tão procurada de travessia dos Alpes que levava à Veneza, tornara-se bastante perigosa e essa circunstância indiscutivelmente favoreceu a passagem via a cidade de Augsburg do Sacro Império Romano-Germânico. Os interesses comerciais em Colônia eram tão grandiosos, que o tratado com Rupretch estipulou que Carlos submeteria os rebeldes e serviria como protetor por toda vida e por essa proteção teria em retorno o pagamento de 200.000 florins por ano. Para poder sair em defesa armada de Colônia, Carlos chegou até a concluir um tratado com o rei da França Luís XI, para manter assegurada a fronteira de seu ducado a oeste o território francês, só após assinar o tratado com Luís XI é que Carlos preparou as suas tropas para marcharem no vale do Reno. Analistas contemporâneos suspeitam que a motivação mais provável para essa decisão teria sido uma eventual reconquista de toda a Alsácia, mas a mais forte probabilidade mesmo é que tenha sido a preocupação de ter a passagem por Colônia comprometida e interrompida, o que seria  um desastre grandioso para todos participantes da Revolução Comercial que estava em pleno andamento de forte recuperação. Naturalmente, que os detratores de Carlos, o Audaz, seu “inimigos” ferrenhos tinham por interesse denegrir sua reputação. Mas, a paciência e persistência demonstradas por Carlos para esperar e realizar o seu casamento com Margarida de York, demonstrou que ele não era dado tanto assim a uma impetuosidade impensada, antes planejava suas ações com uma longa consideração fria e racional, pesando as consequências dos seus atos. Um homem conduzido por paixões, absolutamente, Carlos era antes de tudo apenas um homem obstinado. Quando nós temos uma visão ampla dos acontecimentos daquele momento e os colocamos sobre a mesa para uma clara análise, é mais plausível  chegar-se a conclusão que tudo se tratou de uma estratégia conspirada pelo imperador Frederico III, para assim colocar Carlos numa ratoeira dentro de seu próprio território, tanto o é que a decisão de partir em guerra contra Carlos foi tomada justamente na cidade-livre de Augsburg, onde todo o império foi conclamado a pegar nas armas contra o Duque de Borgonha. Ora, para tomar essa decisão dispendiosa contava o imperador com o apoio financeiro da casa bancária Fugger, que tudo teria a ganhar com a beligerância da situação, pois uma das grandes formas de se ganhar fortunas extraordinárias é justamente com o patrocínio de guerras, o que ainda é uma prática usada nos dias de hoje. 

Ora, a idéia de uma armação para que Carlos caísse numa armadilha se apresenta pela controvérsia das narrativas históricas que tentam encobrir que Carlos estava sendo vítima de um embuste, o que pode ser corroborado com a apresentação de provas e fatos. Em 9 de julho de 1474, um tratado secreto foi assinado entre a Confederação Suíça e o imperador Frederico III do Sacro Império Romano, o rei Luís XI da França, o rei Eduardo IV (cunhado de Carlos, Audaz) e o duque René II de Lorraine contra  Carlos, o Audaz, Duque de Borgonha. Documento esse que comprova que as “Guerras de Borgonha” foram uma sórdida conspiração ardilosa para destituir Carlos, o Audaz, de todo o seu poder.

No caminho para Colônia está a cidade de Neuss, onde a maior parte dos rebeldes de Colônia e entre eles o próprio Herman de Hesse tinham tomado como “refúgio”, mais certo seria ter-se dito que eles estavam ali de tocaia a espera de Carlos e suas tropas, pois o próprio Hermann depois de vangloriar-se de sua estratégia, segundo a versão francesa da história, de ter organizado “pessoalmente” a defesa de Neuss, estando pronto para resistir por um ano caso se fizesse necessário. Carlos chegou com suas tropas borgonhesas a Neuss a 29 de julho de 1474, foi atraído a fazer o cerco à Neuss, tendo em vista em obter o controle da passagem ao longo do rio Reno, de forma a ter não só o controle do abastecimento de água como impedir o reabastecimento da cidade. Ao meio de agosto os borgonheses conquistaram as duas ilhas fluviais e tomaram controle das pontes sobre o rio Reno, mas logo sofreram severas perdas, com o colapso de uma das pontes que levou vários soldados mercenários italianos que acompanhavam Carlos a se afogarem, pois os camponeses germânicos da região não escondiam a hostilidade que sentiam com a presença dos borgonheses em suas terras. Em setembro, os arqueiros  mercenários italianos e do exército inglês de seu cunhado Eduardo IV, que estavam com Carlos lançaram um forte ataque a uma das pontes de Neuss, mas foram repelidos. Na noite seguinte germânicos de uma cidade vizinha flutuaram um barco com fogo para que a corrente o levasse a destruir as pontes dos pontões, mas a frota borgonhesa resistiu sem perdas e eliminou com sucesso o perigo. Pouco tempo depois os arqueiros ingleses começaram a reclamar de falta de pagamento, mas Carlos conseguiu acalmá-los, passado o incidente correu o boato no campo que os ingleses tinham matado Carlos, mesmo ele estando desarmado, e os borgonheses atacaram os ingleses os massacrando, e só quando Carlos se apresentou entre eles ordenando que parassem a situação se acalmou. Durante todo o cerco, Carlos trabalhou arduamente e sem descanso para manter o moral das suas tropas e prosseguir no cerco, conta-se que até durante as poucas horas que dormia por noite ele usava sua armadura completa. Era comum os germânicos se disfarçarem como italianos e se introduzirem entre as tropas borgonhesas para obter informações e espalhar boatos entre os soldados. Numa vez, os homens de Carlos capturaram um germânico tentando atravessar o rio Reno com uma mensagem que declarava que o imperador estava se aproximando com um imenso exército, fazendo com que Carlos redobrasse os seus esforços, mas foi em vão. Passou o Natal, e os rebelde de Colônia comandados por Hermann de Hesse mantinham firme resistência, enquanto isso Carlos tinha que lutar para quebrar o cerco à cidade e defender-se dos ataques de surpresa dos germânicos às suas tropas, a luta em dois flancos obrigava os borgonheses a estarem constantemente atentos o que era extenuante e desgastante. 

Em maio de 1475, o exército imperial de Frederico III estava realmente em movimento, conta-se que seu exército movia-se lentamente por causa das brigas dos soldados bêbados de diferentes partes do império, e pela necessidade de recuperar cidades que estavam ainda em poder dos borgonheses na Alsácia. Uma desculpa muito conveniente, pois quando Frederico III chegou com seu exército ao final de maio, ele encontrou Carlos, o Audaz, exausto daquela luta sem glória, inocente sem saber que estava sendo manipulado e traído por quem menos esperava, mais desejoso de sair daquele maldito lugar com suas tropas do que qualquer outra coisa, maldizendo a necessidade de atender o chamado para proteger o arcebispo de Colônia. Depois de assinar um tratado provisório de armistício com o imperador Frederico III, o Duque de Borgonha ordenou que o cerco começasse a ser desmontado. A princípio houve até uma confraternização entre os borgonheses, os imperiais e os germânicos de Colônia e Neuss, mas inesperadamente os germânicos atacaram os navios borgonheses roubando seus canhões, precipitando um violento assalto de germânicos insuspeitos e por um mês a luta continuou de explodindo de maneira esporádica atos belicosos de ambas as partes. Então, para colocar um fim no que parecia ser uma disputa de egos entre os dois soberanos para que ambos não tivesse que justificar um passo atrás, surgiu um representante papal e num jogo de cena fez uma ameaça vazia de uma excomunhão papal para ambos se não parassem com aquela luta. Cada um com sua honra intacta concordou com o fim definitivo do cerco em 27 de junho de 1475. 

É incrível quanta bobagem os historiadores podem escrever para acobertar as duvidosas negociações que elevaram os Habsburg como a família mais poderosa de toda Europa por séculos. Os Habsburg foram responsáveis de causar com sua arrogância lamentáveis acontecimentos históricos. Pois bem, a verdade é que após ter caído na armadilha do cerco de Neuss, Carlos não tinha como enfrentar novos confrontos bélicos sem um maior aporte financeiro do ducado e seria sem dúvida menos custoso reconhecer o seu insucesso e aceitar a imposição de um acordo forçado para o matrimônio de sua filha Maria com Maximiliano, filho de Frederico III. Mas, não foi absolutamente apenas esse acordo matrimonial o preço a se pagar pela paz. Não esqueçamos que os Fugger tinham “bancado” toda essa história de Frederico III e esperavam o seu “ganho” como forma de pagamento de favores, então, Frederico III exigiu também o direito de “cunhagem” das moedas usadas no Ducado de Borgonha. Sabem o significa isso? É ter domínio sobre os “ativos” financeiros da região mais próspera da Europa naqueles tempos e ganhar altas porcentagens por isso, além da abertura de todas as portas das associações comerciais, poderosas sociedades fechadíssimas de mercadores regionais como de Bruges e Londres que tinham o poder de comandar todo o comércio da Europa. E quem esperava lucrar mundos e fundos com esse acordo? Ninguém mais que a Fugger Companhia, logicamente. 

O girar da roda da fortuna traria novos prejuízos ao Duque de Borgonha, que em julho de 1475 teve recusado seu pedido de ajuda financeira pelos Países-Baixos borgonheses para rearmar seu exército para nova expedição contra a França em apoio a seu cunhado Eduardo IV, rei da Inglaterra que desembarcara em junho de 1475 em Calais com suas tropas para retomada dos territórios ingleses perdidos por Henrique VI para a coroa francesa, mas tendo sido também prejudicado com o cerco de Neuss pelo apoio dado ao Duque de Borgonha, de modo que em agosto Eduardo IV aceitou a oferta de paz do rei da França Luiz XI e por um bom punhado de ouro e a promessa de receber outro tanto milionário como pensão anual, assim como o compromisso de proteção militar mútua e o retorno à França da rainha Margarida de Anjou, viúva de Henrique VI que estava sob custódia  da coroa inglesa e, também, a promessa de casamento de sua filha Isabel de York com o filho de Luís XI, o delfim Carlos, quando tivesse idade adequada, mais um acordo de matrimonio regado a muitas moedas de ouro. Após ter assinado formalmente o Tratado de Picquigny, Eduardo IV reuniu suas tropas e embarcou para o território inglês, deixando para trás o dito por nunca antes dito, desfazendo seus vínculos com aquele que antes o apoiara na retomada do trono. Carlos, o Audaz, se quedou perplexo com a traição de seu cunhado, que parecia esquecido que fora ele, Carlos, o responsável um dia por ter colocado a coroa real inglesa na cabeça Eduardo IV.

Honrando o acordo secreto assinado e usando do momento decadente borgonhês daquele outono de 1475, René, o duque de Lorraine, aproveitou a oportunidade da derrocada de Carlos, o Audaz, e denunciou a aliança de seu ducado com o ducado de Borgonha, rompendo a aliança, provocando outra situação de armadilha ardilosa para o duque de Borgonha. Quando chegou outubro de 1475, e os exércitos dos antes mercenários suíços, agora legalizados com o empoderamento da união com novos cantões à Confederação Suíça desde abril daquele ano, entraram em conspiração contra Jacques de Savoy, conde de Romond, cunhado de Yolanda de Savoy, irmã de Luís XI, rei da França. Ora, Jacques de Savoy era grande amigo de Carlos, o Audaz, e desde 1473, ele se tornara Governador de Borgonha, Grande Marechal e supremo comandante do terceiro exército borgonhês. Jacques tinha feito da cidade de Berna protetora de seus territórios en Vaud durante sua ausência. Mas, Berna uniu-se à confederação original dos oito cantões aliando-se também ao rei Luiz XI, que estava a reunir forças contra o Duque de Borgonha. Jacques não tinha como retornar a tempo de defender seu território dos suíços, que tomaram Grandson e outras regiões importantes, com horríveis massacres em algumas cidades. Genève e Lausanne, cidades bispados, foram fortemente saqueadas, ao final 16 cidades foram tomadas e 43 castelos invadidos sendo submetidos aos novos senhores suíços. Em 14 de outubro Berna declarou guerra contra Jacques de Savoy tendo como pretexto a hostilidade da população, que as autoridade de Berna tinham aterrorizado com o apoio dos suíços. Tropas suíças aliadas aos rebeldes de Berna entraram em Vaud e massacraram os resistentes feridos. Sem socorro que chegasse, outras vilas do condado de Jacques de Savoy renderam-se antes de serem atacadas. Enquanto isso Jacques de Savoy como um dos principais generais de Carlos, o Audaz, marchava com os exércitos borgonheses para a tomada de Nancy, capital do ducado de Lorraine, e a ocupação de Nancy se deu a 24 de novembro de 1475, e o duque René de Lorraine se refugiou em Joinville, e em futuro próximo as forças suíças chegariam para combater ao lado dele em ocasião estratégica. 

Carlos avançou com seus exércitos para retomar os territórios de Jacques de Savoy tomados pelas forças da Confederação Suíça. Carlos, o Audaz, e Jacques de Savoy chegaram a Grandson em fevereiro de 1476, e colocaram em cerco o castelo de Grandson, localizado no lago de Neuchâtel. Carlos trazia com ele um largo número de tropas mercenárias e pesados canhões, e a guarnição suíça logo ficou temerosa, ao ver a demonstração de poder destruição efetivo que podia causar o bombardeio dos canhões, consideraram que todos poderiam ser mortos se a disputa belicosa continuasse. Os suíços por forte pressão dos rebelde de Berna, organizaram um exército para  dar um alivio à guarnição do castelo. Um bote aproximou-se do castelo para avisar que o socorro estava vindo, mas o bote não tinha como se aproximar muito do castelo porque poderia ser afundado por um tiro de canhão dos borgonheses. O homem no bote gesticulou desesperadamente querendo ser entendido, mas seus gestos foram mal interpretados e a guarnição decidiu se render. Fontes suíças afirmam categoricamente que a guarnição só se rendeu quando Carlos, o Audaz, assegurou que todas as vidas seriam poupadas, enquanto o historiador Panigarola, que acompanhava Carlos, afirmou que guarnição pediu clemência ajoelhada ao Duque de Borgonha, segundo ele, ainda, Carlos não teve misericórdia e ordenou que todos os 412 homens da guarnição fossem enforcados em árvores ou jogados ao lago para se afogarem no dia 28 de fevereiro de 1476, numa cena que o próprio Panigarola descreveu como “chocante e horrível”, em quatro horas todos condenados estariam mortos. Alguns dias depois, no dia 2 de de março, as forças da Confederação Suíça armaram um estratégico ataque aos exércitos borgonheses nas proximidades do vilarejo de Concise, dando lugar ao que se chamou a Batalha de Grandson, onde os exércitos borgonheses sofreram uma vergonhosa derrota, e os soldados foram obrigados a fugir deixando tudo que impedisse de salvar a própria pele. As descrições da batalha exaltam a esperteza tática e estratégica dos confederados suíços e a falta de preparo das tropas de Carlos, o Audaz, para ataques camuflados e inesperados capazes de solaparem todo um exército com cavalaria e a mais bem equipado em sua artilharia, apenas tirando proveito da falta de mobilidade e flexibilidade, assim como fazer uso da capacidade de iludir e levar o oponente a tomar decisões que só irão contribuir para a sua derrota. 


Entretanto, apesar das derrotas nos campos de batalha, aconteceu que Yolanda de Anjou (ou da França) que conspirara contra Jacques de Savoy e contra o próprio Carlos, com seu irmão Luís XI, rei da França, para armar todos os campos de batalha para derrotar o poder do Duque de Borgonha, caiu ela própria nas mãos de Carlos, o Audaz. O que obrigou a Luís XI a intervir a favor da irmã e forçar os suíços a aceitarem o armistício. Em 14 de abril de 1476 a Confederação Suíça e o conde de Jacques de Savoy  concluíram e assinaram um tratado de paz sob o patrocínio do rei da França. O tratado de Fribourg estipulou que os suíços deveriam ser pagos para retornar os territórios de Savoy. Mas, como a casa de Savoy não tinha como pagar o resgate, o território permaneceu nas mãos de Berna, pelo tratado Jacques de Savoy perdeu os seus direitos ao título e aos seus territórios.
Pouco tempo depois, Carlos conseguiu ainda reunir um novo exército de 30.000 homens, chegando a cidade de Murat, a beira do lago Murten, em 11 de junho de 1476, a batalha veio acontecer em 22 de junho, mas ele foi derrotado pelo exército suíço, assistido pela cavalaria de René II, duque de Lorraine. Nesta ocasião as perdas não foram tão vergonhosas como as da Batalha de Grandson, mas certamente um terço de suas tropas morreu à beira do lago enquanto os seus homens eram mortos ao tentar alcançar a segurança na margem oposta. Os  ricos despojos borgonheses dessas guerras estão até hoje bem guardados e expostos nos museus suíços celebrando a grandiosa vitória de seus piqueiros sobre a poderosa cavalaria do exército do Duque de Borgonha.  


No dia 6 de outubro, o Duque de Lorraine recuperou Nancy com o auxílio das forças suíças. Num último esforço, numa tentativa suicida, Carlos, o Audaz, reuniu um novo exército e com todo o orgulho que ainda lhe resta ele se pôs em marcha para Lorraine ao final daquele outono. O sopro de um mortal inverno que logo chegou lhe levou metade dos homens com ele acampados aos muros de Nancy. Quando Carlos, o Audaz, encontrou-se para combater com os exércitos suíço e do duque de Lorraine, o seu próprio exército não constava de mais de algumas centenas de homens que lhe eram leais, entre eles Jacques de Savoy. A Batalha de Nancy ocorreu no dia 5 de janeiro de 1477, e nesse dia tenebroso as últimas forças borgonhesas foram impiedosamente massacradas por seus inimigos. Carlos, o Audaz, lutou até o seu último suspiro e morreu como viveu, com uma coragem destemida inacreditável própria da grandeza de um verdadeiro rei. Mesmo que não usasse uma coroa, Carlos sempre foi o maior rei do seu tempo, por isso seus inimigos o quiseram morto exemplarmente em razão de seu desejo de ser rei, visto por seus pares como uma “afronta” ao status quo hierárquico dos poderes políticos estabelecidos naquela época.  


O corpo de Carlos da Borgonha foi encontrado despido e despojado de toda sua nobreza dias depois, congelado próximo ao rio. Sua cabeça tinha sido partida ao meio pelo golpe de uma alabarda suíça (uma espécie de lança com uma larga foice muito afiada na ponta), seu dorso e estômago estavam transpassados por lanças, seu rosto estava de tal forma mutilado pelas mordidas de animais selvagens e vermes que não poderia ser identificado. Se não fosse seu físico particular (médico) reconhecer as longas unhas de seus dedos das mãos e as cicatrizes de antigos ferimentos de batalha de seu corpo, ninguém teria reconhecido no cadáver daquele pobre coitado o homem mais poderoso entre todos os homens de seu tempo, que de tão ameaçador que todos seus desafetos uniram-se para o matar.  Não foi permitido que o corpo de Carlos voltasse ao Ducado de Borgonha. A proibição teve como intuito impedir uma comoção revoltosa entre os borgonheses. O corpo de Carlos foi enterrado na igreja do ducado de Lorraine pelo próprio René. Somente, em 1550, seu neto Carlos V de Habsburgo, então imperador do Sacro Império Romano Germânico, transportaria seus restos mortais para a Igreja de Nossa Senhora, em Bruges, tendo seu túmulo definitivo ao lado de sua filha Maria. Contudo, escavações de 1979 identificaram os restos mortais de Maria, mas de Carlos nada foi encontrado, possivelmente seus restos viraram pó. Quanto a René, o duque de Lorraine, esse viria a ser prejudicado por disposições desfavoráveis do seu acordo com o rei da França, Luís XI tomou-lhe a maior parte da sua herança. 
Carlos de Borgonha foi descrito pelos cronistas de sua época e posteriores como um personagem com forte personalidade, austero, virtuoso e impiedoso, que incitou a muitos atribuírem o cognome de “Temerário”, “Terrível” ou “Insolente” porque esses termos podem ser encontrado em crônicas de 1484, eu particularmente usei o termo “Audaz”, porque para mim Carlos de Borgonha tinha uma audácia corajosa invejável, não apenas no que diz respeito ao seu modo de fazer guerra, mas também quanto a sua coragem na busca do seu progresso e daqueles que o apoiavam. Seus contemporâneos que conviveram com ele o descreveram como um homem direito, franco, piedoso, generoso em suas caridades e um esposo fiel, familiar e alegre com os seus, evitando sempre de ser grosseiro com quem quer que fosse, em tudo um cavaleiro e bem educado. Exatamente por isso que se fez um homem de coragem excepcional. Era um homem muito instruído para o seu tempo, dotado de uma grande responsabilidade e disposição de trabalho. Tocava harpa, compunha canções e melodias, e foi protetor da Escola dos Compositores de Borgonha, agrupando aqueles que viriam a constituir o corpo da famosa escola franco-flamenga. A experiência da vida tirou-lhe a ingenuidade quanto a existência de uma natureza humana benigna pregada pela filosofia humanista do renascimento, e o fez ter mão forte na condução de seus interesses, sendo considerado por isso impiedoso e tirânico. Para ele, a guerra passou a ser o único modo de obter o que queria, já que estava engessado em suas ambições por tradições políticas eclesiásticas de Roma de um lado e de outro por tradições e protocolos de uma sociedade estratificada e hierárquica em que a posição social de um indivíduo era estabelecida por Deus em seu nascimento, e só Roma teria o direito divino de elevar alguém de sua posição original. Se os burgueses como os Fugger tudo faziam para alcançar um status ínfima nobreza, quanto mais o faria um grande nobre como Carlos de Borgonha para elevar seu ducado ao status de reino independente tornar-se um Estado, uma monarquia nacional. Na prática o Ducado de Borgonha já era o Estado mais importante e rico que muitos reinos de seu tempo, e é isso que ele tenta demonstrar e expor claramente aos olhos de todos e da própria história no encontro de Trier. Séculos mais tarde Napoleão ao derrubar o circulo de ferro dos Habsburgo faria o que Carlos de Borgonha não ousou fazer e colocou uma coroa imperial na própria cabeça sem as bênçãos de nenhum papa de Roma. 
Os cronistas defensores de Luís XI, rei da França, acusam Carlos de Borgonha de recorrer à força para obrigar voluntários a integrarem seus exércitos a fim de obter aquilo que desejava e de fazer a guerra porque amava guerrear por guerrear, pelo prazer da competição apenas, em contraposição à atitude do rei da França, para quem a guerra era uma atividade prosaica desprovida  de valor intrínseco e destinada a servir a ambições políticas daqueles que a preferem a fazer uso da diplomacia. Para Carlos de Borgonha, ainda dizem eles, a guerra tinha um caráter sacro, enriquecido de todos os mitos colecionados pela civilização que animaram as almas de grandes guerreiros como Alexandre, O Grande, e igualmente os cruzados, para os quais o campo de batalha é um espaço privilegiado da proeza individual de transcender e aprender ao preço do sofrimento psíquico e moral, com o martírio de seu corpo e espírito. O historiador Philippe de Commynes assegura que o duque de Borgonha, a partir de 1472 deu testemunhos de uma ferocidade que não lhe fora comum até aquele tempo. Segundo sua esposa na época, Margarida de York, o falecimento da duquesa Isabel de Borgonha (Isabel de Portugal) sua mãe, em 1471, foi por demais sentida por Carlos, e internalizando seus sentimentos, isso modificou sua maneira de ser radicalmente. Há quem acuse Carlos de Borgonha de ter sido tomado de grande orgulho e arrogância ao se ver com todas as rédeas do poder de Borgonha nas mãos. De fato o que realmente transparece é um temperamento empreendedor e um desejo crescente de progresso, o desejo de restaurar o reino de Borgonha, em sua extensão territorial no século XII. Em novembro de 1471, Carlos de Borgonha se declarou independente da suserania do rei da França. Dessa vontade de não ser mais vassalo nem em teoria de dois sobramos europeus, fosse o rei da França, fosse do imperador do Sacro Império Romano Germânico, Carlos dava andamento ao projeto de seu pai de uma coroa real para Borgonha. Quando Carlos passa a defender a recuperação de um reino de Borgonha, também se habilita à recuperação do território desse reino pelo acordo de tripartite com a França.
A verdade é absurda, quando Carlos da Borgonha falava a respeito de sua idéia de um reino carolíngeo da Lotaríngia, Carlos falava de diferentes reinos da Borgonha do passado: dos burgundios, dos merovingeos, dos benvinidos e dos weffs. Sim, existira um reino da Lotaríngia entre 855 e 900, mas que passados 500 anos já fora inteiramente esquecido, apesar de haver souvenirs dos diferentes reinos da Borgonha, era preciso recordar por seu título principal dos Estados Borgonheses. De modo que pelo acordado para o encontro de Trier, realizado de 30 de setembro à 25 de novembro de 1473, Frederico III que tinha decidido durante as negociações prévias aceitar a  independência da suserania do Sacro Império Romano-Germânico do ducado de Lorraine, do  ducado de Savoy (que incluía o Piemonte, Bresse e Bugey, e a oeste a atual Suíça com Genève e Lausanne), o ducado de Clèves, com Utrecht, Liège, Toul e Verdun, que se tornariam Estados vassalos do novo Reino da Borgonha, porquanto esses territórios fizeram parte do antigo reino da Borgonha até o século XII. O problema foi Carlos de Borgonha querer para si o titulo de “Rei dos Romanos”, um título que caberia ao herdeiro de Frederico III, seu filho Maximiliano de Habsburg, o Arquiduque da Áustria, o qual, se tal acordo tivesse sido aceito, pelo casamento com Maria, filha de Carlos, seria preterido e só após a morte de Carlos teria direito à coroa imperial. Essa parte, não fora acordada anteriormente e quando colocada na mesa de negociações por Carlos de Borgonha veio a ferir de morte os brios germânicos de Frederico III, e essa foi a causa real das “Guerras de Borgonha”, não outra:  pois tudo era passível de ser negociado, menos a coroa imperial. Mais inacreditável ainda é pensar que esse projeto de Carlos de Borgonha serviu para os planos de desmantelar a França feitos por Hitler e Himmler durante a Secunda Guerra Mundial no século XX: um Estado da Borgonha aliado à Alemanha nacional-socialista, que foi até criado e confiados Léon Degrelle, que foi chanceler da Borgonha, e isso mais de quatrocentos e tantos anos depois da morte de Carlos da Borgonha. Tal fato só evidencia que tem que certos sonhos que parecem que nunca morrem. 
Se Carlos da Borgonha ambicionou e empreendeu em direção ao objetivo da reconstrução de um reino da Borgonha, mesmo que ninguém mais soubesse ou se recordasse de que em algum tempo tivesse ele existido, ele não pode ser condenado por seu empreendedorismo, mesmo que naquele tempo tal atitude não fosse compreendida, e nem se falasse em tubarões do capitalismo, mas é preciso lembrar que o Ducado de Borgonha era uma espécie de Estados Unidos da sua época, uma verdadeira terra de oportunidades para quem quisesse se aventurar e tornar-se rico por seus próprios esforços e meios. Que o testemunhem os mercadores portugueses que tinham em Bruges a mais importante associação comercial daqueles tempos, com uma influência política incomum para época. Diga-se de passagem que tal situação de grandiosa importância comercial do Ducado de Borgonha era deveras do conhecimento da Casa Fugger, que ambicionava ter uma posição tão privilegiada ou maior que a dos Medici no tabuleiro de xadrez europeu.
Falecido Carlos de Borgonha, em 5 de janeiro de 1477, a cerimônia de funeral sem corpo presente do duque teve lugar no dia 25 de janeiro, na Igreja de Saint-Jean de Gand, onde povo acorreu em grande número para a cerimônia. Logo passado esse dia de luto os problemas começaram a aparecer, cabendo à duquesa-viúva Margarida (de York) ser a protetora de sua enteada Maria de Borgonha, então com 19 anos, filha de Carlos da Borgonha com Isabel de Bourbon, pois sendo ela mesma estéril não concebera nenhum filho de Carlos. De sorte que Margarida pode contar com os préstimos de Jacques de Savoy, fiel general e amigo de Carlos, que perdera todas as suas posses durante o malfadado episódio das “Guerras da Borgonha”, arquitetadas para destruir as ambições de Carlos da Borgonha. Naquele momento após quatro anos de batalhas perdidas, os vastos territórios do Ducado de Borgonha passam por sérias dificuldades econômicas, principalmente devido ao bloqueio comercial imposto pela França. Além do mais, Luís XI, o rei da França que achava que “a guerra era uma atividade prosaica desprovida de valor intrínseco e destinada a servir a ambições políticas daqueles que a preferem a fazer uso da diplomacia”, desembaraçado de seu poderoso rival Carlos, o último membro da casa real francesa Valois e Duque de Borgonha, prontamente ordenou aos seus exércitos para se moverem para as fronteiras com o Ducado de Borgonha de maneira ameaçadora, para intimidar os borgonheses. Em 15 de janeiro de 1477 as tropas francesas fizeram cerco a Dijon, e atacaram os condados da Picardia e de Artois. Com a perigosa situação, e antevendo que o ducado sozinho não teria como defender-se da investida francesa, os Países-Baixos borgonheses foram os primeiros a se rebelarem e contestam o poder centralizador econômico e político que mantinha unido o Ducado de Borgonha outros Estados vassalos. Foi nessa situação acuada, que Maria de Borgonha, aconselhada por sua madrasta, convocou a reunião dos Estados Gerais e em 11 de fevereiro de 1477, onde assinou o termo do Grande  Privilégio, uma carta de direitos e numerosas concessões, notadamente o retorno a autonomia das cidades e províncias, o restabelecimento de direitos, privilégios, liberdade e costumes existentes antes da vassalagem ao Ducado de Borgonha e particularmente o uso do idioma francês, que não era mais obrigatório nos atos administrativos. Maria foi obrigada a se desfazer de seu poder em muitas das grandes cidades para manter sua autoridade e sua herança. 

Luis XI, ao mesmo tempo que intimidava com suas ações militares a jovem duquesa de borgonha, também tomava uma série de procedimentos jurídicos, para justificar as conquistas recentes e que ele esperava maximizar. Uma das principais artimanhas jurídicas foi um processo póstumo de “Lesa-majestade” contra o Carlos de Borgonha, que lhe permitiria tomar todos bens de direito do ducado sem ter que dar nenhum direito de retorno a Maria, considerando que sendo o Ducado de Borgonha por direito subordinado à coroa da França estaria este também subordinado às suas leis e, nesse caso, a hereditariedade direta feminina simplesmente não era reconhecida, cabendo apenas o direito de hereditariedade a linhagem masculina, e não havendo herdeiros homens, o ducado por direito retornaria à coroa da França.

Ora, essa intensa pressão do rei da França sobre a jovem duquesa de Borgonha, não passou desapercebida ao imperador Frederico III, que não retardou em tomar uma posição protetora em relação a Maria de Borgonha. Com o total apoio da duquesa-viúva Margarida de Borgonha (de York), Maria de Borgonha esposou por procuração a 21 de abril de 1477, o futuro imperador do Sacro Império Romano Germânico, Maximiliano de Habsburg, então com 18 anos. Maximiliano chegou ao ducado de Borgonha em 5 de agosto e em 17 de agosto  finalmente chegou ao Castelo de Ten Waele, em Gante, onde conheceu Maria e teria dito que ela estava “pálida como a morte”, mas mesmo assim caíram ambos ao gosto mútuo e logo se dando aos sutis prazeres do cortejo do amor cortês. No dia seguinte, 18 de agosto de 1477, foi celebrado o casamento. Assim concretizando a aliança negociada desde 1473 com um rio de sangue, mas que deu origem a um dito sobre os Habsburgo: “Deixem os outros travarem guerras, mas você, feliz Áustria, se casará.” O dito logo se fez lema da dinastia. Mas, aqui nesse breve relato, foi bem explicado o motivo real desse irônico apanágio dos Habsburg. 


De maneira nenhuma o rei da França Luís XI estava de acordo com o casamento de Maximiliano Habsburgo com Maria de Borgonha, e insistia em sua campanha contra o Ducado de Borgonha, o reclamando para a coroa francesa, porquanto, como mencionado anteriormente, pela “Lei Sálica” de sucessão do trono da França, as mulheres eram “excluídas” de “direitos hereditário”, recordando que o ducado no passado fora estabelecido em decorrência de um membro da casa real francesa de Valois. Em 22 de julho de 1478, Maria deu à luz a um herdeiro, que recebeu o nome de Felipe, o Belo. O rei Luís XI da França lançou rumores de que a criança era na verdade uma menina. A madrasta de Maria, Margarida de York, como madrinha da criança, desmentiu o boato de maneira irrefutável, produzindo um fato que não admitia contestação: no dia do batizado, ela despiu a criança para que toda a multidão visse a prova física de masculinidade e não pairasse mais dúvida de ser um menino. Naquele ano também, em reconhecimento à sua lealdade Jacques de Savoy foi honrado com a ordem de cavalaria borgonhesa do Tosão de Ouro, fundada por Felipe III, o Bom, em 1430 e ele continuou servindo à Maria de Borgonha e a seu marido Maximiliano de Habsburg. Em 7 de agosto de 1479, Jacques de Savoy participaria corajosamente da batalha de Guinegatte,  no condado de Artois, onde foi ferido ajudando a combater o exército de Luís XI da França e manter o condado de Flanders para Maria de Borgonha. Na batalha de Guinegatte o Arquiduque da Áustria, Maximiliano de Habsburg fez uso pela primeira vez de uma formação oficial de piqueiros suíços do exército da Confederação Suíça. Devido ao seu testemunho do fracasso da Batalha de Nancy, de onde saíra ferido e que resultara na morte de Carlos de Borgonha, Jacques de Savoy recomendou ao Arquiduque que empregasse em seus onze mil homens das tropas à pé o método da tática de combate usada pelos suíços e formasse esquadrões de piqueiros que eram capazes de derrubar a melhor das cavalarias com seus lanceiros. O Arquiduque formou dois grandes quadrados de infantaria, uma delas foi comandada pelo conde Engelbert de Nassau, que também lutara com Carlos de Borgonha em Nancy. O outro foi comandado pelo, então, Conde de Romont, Jacques de Savoy. Por sua vez o arquiduque Maximiliano em vez de seguir o costume da época e comandar a cavalaria, juntou-se a um esquadrão de infantaria formado com 200 dos seus nobres, e não eram eles apenas da pequena nobreza, ao contrário, pertenciam ao quadro dos mais proeminentes, e esses nobres foram posicionados junto com Maximiliano nas primeiras fileiras dos esquadrões, algo que nunca antes se viu fazer. Os tempos mudavam, até no modo de se fazer a guerra, dando a ela um novo contexto de honra e glória. Com a nova estratégia, os exércitos de Luís XI da França sucumbiram ao ataques combinados do Arquiduque Maximiliano da Áustria, que conseguiu assegurar por mais algum tempo os territórios do ducado de Borgonha de sua esposa.  
Em 10 de janeiro de 1480, um segundo filho nasceu a Maximiliano e Maria, sendo uma menina recebeu como homenagem o nome da madrasta de Maria e madrinha também desta criança: Margarida. No verão daquele ano, vendo a instabilidade do Ducado de Borgonha, Margarida embarcou para Londres, onde ao fixar sua residência na corte inglesa tinha por objetivo garantir o apoio militar de seu irmão, o rei Eduardo IV da Inglaterra. O rei inglês apesar de seu acordo secreto anterior de 1473 contra o duque Carlos de Borgonha com Luís XI da França, estando agora o duque morto e sua filha casada com o filho do Imperador Frederico III do Sacro Império Romano Germânico, considerando os sérios interesses da associação comercial de Londres, a poderosa Mercer’s Company, em seus negócios com o Ducado de Borgonha, enviou apoio armado suficiente para que Maria e Maximiliano resistissem aos avanços franceses. Luís XI reconheceu o perigo que Margarida de York representava aos seus interesses, então tentou comprá-la com uma generosa pensão da coroa francesa e uma promessa de protegê-la pessoalmente. Em vez disso, Margarida recusou a oferta e negociou uma aliança anglo-borgonhesa e a renovação do comércio entre Londres e Bruges. 
Mas, a fatalidade não tira férias. Era um dia lindo de março, quando a duquesa Maria de Borgonha, mesmo estando grávida de seu terceiro filho, não resistiu à sua paixão de cavalgar para caçar com falcões ao lado de seu marido, nos campos e bosques nas proximidades da cidade de Bruges, foi vitimada por um acidente. Por algum motivo o cavalo de Maria se assustou, refugou, empinou e desequilibrado foi ao chão, vindo a cair sobre ela. Maria quebrou a espinha e agonizou por dias até que veio a falecer em 27 de março de 1482. Durante o período de sua agonia, a duquesa de Borgonha teve tempo de fazer um testamento detalhado. O contrato de matrimônio do casal estabelecia que apenas os filhos deles teriam direito de herança, com a exclusão da parte do casal sobrevivente. Maria em busca de desconsiderar essa cláusula, buscou transferir os territórios do ducado como “doação” em vida ao seu marido em caso de seu falecimento. Mas, a expressão de sua vontade no leito de morte foi contrariada. Maria de Borgonha faleceu com apenas 25 anos e foi sepultada na Igreja de Nossa Senhora de Bruges. 

A morte de Maria foi um duro golpe para o ducado de Borgonha, enfraquecendo o Estado ainda mais. As províncias dos Países-Baixos (Holanda e Bélgica) foram hostis à regência de Maximiliano em nome do seu filho, então com 4 anos. de idade.  Os três estados dos Países-Baixos acordavam com Luís XI da França, com o objetivo de forçar Maximiliano a desistir do Franco-Condado (região da cidade de Besançon) e de Artois para França. A rebeldia flamenga levou Maximiliano a negociar um tratado de paz com Luís XI da França, no qual conseguiu reverter a situação na crise de sucessão levantada pelos Países-Baixos. No dia 23 de dezembro de 1482, foi assinado o Tratado de Arras, onde foi acordado que sua filha a Arquiduquesa Margarida da Áustria e condessa de do Franco-Condado e Artois, então com quase três anos, casar-se-ia com o Carlos, o Delfim da França (futuro Carlos VIII), trazendo como seu dote o Franco-Condado e Artois para a coroa da França, que permitiu reter a maior parte dos territórios borgonheses exceto o condado de Flanders que passou para Maximiliano, o que originaria uma nova rebelião em 1492, em razão do desejo de recuperar a liberdade que tiveram no tempo de Maria de Borgonha. Dessa feita, o imperador Frederico III do Sacro Império Romano Germânico interviu e Maximiliano continuou a governar o ducado de Borgonha em nome de seu filho Felipe, o Belo. A regência foi um período difícil para Maximiliano. 

Após completar 3 anos, em 10 de janeiro de 1483, a pequena Margarida da Áustria foi conduzida para ser elevada como “filha da França”, sob os cuidados da filha de Luís XI, Ana da França, vindo a receber uma cuidadosa educação vivendo no Loire.  Ela logo se afeiçoou por seu noivo, então com quase treze anos, que também se apegou de muito ternura pela pequenina Margarida, com quem conviveria por oito anos intimamente. E, assim, através de um novo acordo matrimonial a paz teve seu lugar. Mas, em 30 de agosto de 1483, o grande inimigo do Ducado de Borgonha, Luís XI da França, faleceu em sua cama vítima de um derrame cerebral enquanto dormia. Seu filho, Carlos, dito o Afável, que acabara de completar 13 anos, sucedeu ao seu pai como Carlos VIII, tendo como regente até seus 21 anos, sua irmã mais velha Ana da França e seu marido Pedro II de Bourbon. 

Por iniciativa de seu pai Frederico III, Maximiliano fora eleito Rei dos Romanos em 16 de fevereiro de 1486 em Frankfurt e foi coroado em seguida a 9 de abril. Ocorreu que algum tempo depois, Francisco II, Duque da Bretanha faleceu e foi sua herdeira Ana da Bretanha, que no intuito de proteger o seu ducado do avanço da coroa da França, em troca de proteção casou-se por procuração com então viúvo Maximiliano I, no ano de 1490, sem pedir autorização à coroa da França de quem o ducado era vassalo nos mesmo moldes que o Ducado de Borgonha. Carlos VIII, ao completar seus 21 anos, temendo ter seu território cercado pelo poderosos Habsburgo investiu com seu exército contra a Bretanha e após a tomada de Nantes e o sítio de Rennes, Ana percebeu que não poderia contar com a proteção de Maximiliano, naquele momento envolvido em batalhas para a retomada dos territórios da Áustria das mãos dos turcos que avançaram pela Hungria e conquistaram Viena. Tendo em vista a perda iminente da vassalagem do Ducado da Bretanha, em 1491, Carlos VIII reenviou Margarida, menina-moça em seus onze anos de volta para o Ducado de Borgonha, para poder se casar por interesses políticos com Ana da Bretanha. Sentindo-se preterida e desprezada, Margarida da Áustria tomou profundo rancor em relação à França. O casamento por procuração com Maximiliano I foi repudiado por Ana da Bretanha, que aceitou casar-se com Carlos VIII da França, a cerimonia teve lugar em 6 de dezembro de 1491, a noiva tinha apenas 14 anos e o noivo 21 anos. Com o repúdio do compromisso de matrimônio selado por Luís XI e Maximiliano I pelo tratado de Arras, também o dote de Margarida da Áustria foi renunciado por Carlos VIII. Apesar de receber de volta os territórios borgonheses do dote da filha, Maximiliano tomou-se de brios contra Carlos VIII, e passou a conspirar contra o jovem rei da França. Com a morte de Frederico III, em 19 de agosto de 1493, aos 77 anos, Maximiliano tornou-se o novo imperador do Sacro Império Romano Germânico.

Carlos VIII da França, imbuído de sonhos de cavalaria de conquistas e glórias se empenhou numa empreitada duvidosa de reconquistar o reino de Nápoles, antes pertencente à Casa de Anjou da França e que fora tomado pela coroa de Aragão, e obteve sucesso na empreitada em 22 de fevereiro de 1495, mas desguarnecidas de proteção as fronteiras francesas e seus territórios ficaram vulneráveis aos inimigos, o que obrigou Carlos VIII retornar prematuramente com suas tropas, levando consigo um vasto carregamento de obras italianas, que seriam responsáveis por introduzir a influência da corrente do Renascimento nas artes francesas. Apesar de sonhar com um retorno militar para conquistas na Itália, quis o destino de outra maneira. A fatalidade bateu à porta de Carlos VIII, no dia 7 de abril de 1498, quando desfrutava dos prazeres de sua residência favorita, o castelo de Amboise, quando ele estava  se entretendo em jogar “jeu de paume” (que originou o atual jogo de tênis com raquetes e bola), por distração o rei bateu violentamente a testa no umbral pedra, tombou, e morreu instantaneamente com uma fratura no crânio.. Porém, é difícil saber se morreu antes ou depois de bater a testa, pois suspeita-se que seu sucessor Luís d’Orleans o tivesse envenenado, certo é que o rei caiu morto, assim sem mais nem menos, aos 27 anos, colocando um fim na Dinastia dos Valois e deixando vago o trono da França. Os seis filhos que tivera de Ana da Bretanha todos tinham falecido prematuramente, e pelo acordo de casamento caso viesse a falecer sem herdeiros varões, Ana da Bretanha estaria obrigada a casar-se com o herdeiro da coroa da França. Três dias após a morte de seu marido, os termos do contrato de seu contrato de casamento entraram em vigor. Contudo o novo pretendente da coroa da França, Luís d’Orleans, era casado com Joana de Valois, Duquesa de Berry,  irmã de Carlos VIII, com a qual Luis XI obrigou ele a casar-se, sendo ela deformada e manca,  sendo que o único intuito de Lu’s XI na obrigatoriedade desse casamento tinha sido o de colocar um fim a casa real d’Orleans. Negociando a doação de um ducado a favor de César Borgia, filho do papa Alexandre VI, Luís d’Orleans obteve o divórcio e assim casou-se com Ana da Bretanha em 8 de janeiro de 1499, e o casamento gerou duas filhas: Claudia da França e Renata da França. Sem herdeiros homens, Luís XII foi o único rei da casa real Valois-Orleans. 

Os ventos da mudança também sopraram em Londres, onde adoentado o rei Eduardo IV veio a falecer em 1483, para que finalmente seu irmão mais moço subisse ao trono como Ricardo III, que veio a morrer na Batalha de Bosworth, última batalha da Guerra das Duas Rosas, onde a vitória foi de Henrique Tudor, Conde de Richmond, primo e sobrinho de Henrique VI, dando a vitória assim à casa de Lencastre, com isso a casa real de York chegou ao seu termo. Henrique Tudor, casou-se com a filha de Eduardo IV, Isabel de York, fundando a casa real Tudor, e sentou-se no trono inglês como Henrique VII. 


Em 1493, o Ducado de Borgonha recuperava-se do mau período sofrido após a morte de Carlos de Borgonha, em 1477, sua viúva Margarida de York, então protegida de Maximiliano contribuía muito para que a paz reinasse e para aliviar as obrigações familiares sendo praticamente a tutora dos herdeiros do ducado. Assim, Margarida recebeu com muito carinho o retorno da pequena Margarida da Áustria após ter sido repudiada por Carlos VIII da França. Em 19 de agosto de 1493, com a morte de seu pai Frederico III, Maximiliano se tornou o novo imperador do Sacro Império Romano Germânico. No ano seguinte, seu filho o jovem Felipe, o Belo estabeleceu-se como Duque de Borgonha aos 16 anos, o que trouxe a desejada estabilidade ao ducado. Ao final do ano de1496, realizou-se um duplo casamento dos filhos de Maximiliano negociando com os Reis Católicos Dona Isabel de Castela e Rei Dom Fernando II de Aragão, unindo assim casa imperial dos Habsburgo com a casa real espanhola de Castela e Aragão. Margarida da Áustria casou-se com João, príncipe das Astúrias, herdeiro do trono de Castela e Aragão, enquanto Felipe casou-se com a irmã de João, Joana I de Castela, que mais tarde seria mais conhecida como “Joana, a Louca”, devido a seu amor insano pelo esposo.
Apesar da súbita paixonite que o herdeiro da coroa de Castela e Aragão foi tomado pela bela jovem noiva Margarida, a lua de mel duraria apenas seis meses, logo a saúde frágil de João o levou desse mundo, deixando sua esposa grávida em 4 de outubro de 1497. Poucos meses depois em 8 de dezembro a pobre Margarida deu à luz a uma menina natimorta. Ela permaneceu ainda dois anos na Espanha e só retornaria ao Ducado de Borgonha aos vinte anos, em 1500, para assistir o batismo de seu sobrinho e afilhado, Carlos da Áustria. 


O casamento de Felipe, o Belo, com Joana, também não foi muito feliz, vindo a ser marcado pela infidelidade do Duque e a o ciúme apaixonado de sua esposa. Em 1498, Joana teve uma filha Leonor. Em 1500, ela deu à luz a um filho, que recebeu o nome de Carlos em homenagem ao seu bisavô, Carlos, o Audaz. No ano seguinte de 1501, ela deu à luz a mais uma filha, que foi chamada de Isabel. Quando em 1502, o duque e a duquesa de Borgonha foram para Castela, para a proclamação como herdeiros da coroa de Castela e Aragão, eles deixaram os filhos com a duquesa-viúva Margarida (de York), que sem dúvida teve uma grande responsabilidade e influência na criação das crianças. Segundo relatos, as histórias narradas por ela ao jovem Carlos sobre a Guerra das Duas Rosas, foi a razão de sua inspiração de um “cavalheirismo romântico” e ideais missionários borgonheses. Todavia,  a duquesa-viúva Margarida (de York) veio a falecer logo após o retorno do jovem casal real, trazendo o recém-nascido Fernando, à Borgonha, em 23 de novembro de 1503, com a idade de 57 ano, sendo poupada do sofrimento de ver seu afilhado Felipe, o Belo, falecer prematuramente de febre tifóide em 1506. Antes de sua morte Felipe ainda gerou mais duas herdeiras com a rainha Joana: Maria (1505) e Catarina (1507). 
Em 1494, quando Carlos VIII tinha investido na sua expedição armada na reconquista do reino de Nápoles, ele teve a principio como aliado o governante de Milão, Ludovico Sforza, ele permitiu que as tropas francesas passassem através de Milão para que pudessem atacar Nápoles. Mas, como logo ficou evidente, Carlos VIII não se satisfaria apenas com Nápoles, e logo estava a reclamar Milão para a coroa da França também. Então foi nesse momento que Ludovico formou uma aliança com o Imperador Maximiliano I e ofereceu em casamento sua sobrinha Bianca Sforza em troca de receber a investidura imperial de “Duque” e juntando-se a liga imperial contra a França. Ora, Ludovico era casado com Beatrice I d’Este, filha do Duque de Ferrara, sitio próximo a Florença, e tivera seu casamento orquestrado por ninguém mais que Leonardo Da Vinci! Beatrice foi responsável por transformar a corte de Milão em uma das mais sofisticadas da Europa e foi patrona das artes e filosofia renascentista. Uma influência que Bianca como nova imperatriz do Sacro Império Romano levaria também como dote, embelezando em muito a corte imperial de Maximiliano.

Maximiliano mais uma vez teve de sofrer com mais uma fatalidade trazida pelo destino: a morte de seu herdeiro, o rei Felipe I, rei de Castela e Duque de Borgonha, obrigou Maximiliano a agir prontamente em defesa das conquistas feitas pela casa imperial dos Habsburgo, porque o também viúvo Fernando de Aragão, que se casara com uma sobrinha do novo rei da França, Luís XII (Luís d’Orleans) em 1505, estabelecera com seu novo casamento uma aliança entre os reinos de Aragão e da França. A morte de Felipe I, filho de Maximiliano, deixara a filha de Fernando de Aragão, que tão inteiramente fora de si passou a ser chamada de Joana, a Louca. Com a demência da filha, Fernando de Aragão reclamou para si a tutela de seu neto Carlos, o novo Duque de Borgonha e herdeiro direto da coroa de Castela, a tutela caso obtida daria ao rei católico poderes de regência sobre os amplos domínios que seriam herdados pelo seu neto, o jovem Carlos de Habsburgo. Para enfrentar os avanços do ambicioso rei católico, Maximiliano chamou às pressas o auxílio de sua filha Margarida Habsburg da Áustria (Duquesa-viúva de Savoy) para tomar controle da situação no ameaçado Ducado da Borgonha.

Em 1489, Henrique VII da Inglaterra se esforçou para firmar a sua casa real de Tudor no recém-conquistado trono inglês, para tanto ele precisava contar com apoio de algum reino Estado formal, para não ter seu direito contestado. Pois a contestação de seu direito ao trono poderia vir tanto da parte do ducado de Borgonha e do Sacro Império Romano, porquanto a duquesa-viuva Margarida (de York) ainda estava viva, como da França estava sempre a pretender o trono inglês. Por conta desta situação delicada é que negociou um tratado com os Reis Católicos, que indiretamente acertaram também um acordo com Maximiliano I, por serem aparentados com o casamento dos filhos. Por sua vez, em 1492, a França acordou de abrir mão de suas pretensões ao trono da Inglaterra. Com as novas circunstâncias favoráveis as negociações prosseguiram. Os Reis Católicos exigiram de Henrique VII todas as garantias necessárias para a estabilidade do trono Tudor e foram generosos no dote  de casamento de sua filha mais nova Catarina com o primogênito do rei Henrique VII com Isabel de York, o jovem Arthur. Assim, pelo tratado de Medina del Campo, Arthur casou-se com Catarina de Aragão por procuração em maio de 1499, e os nubentes mantiveram  constante correspondência em latim enquanto aguardavam que Arthur tivesse quinze anos, idade adequada para o casamento de fato. É preciso não esquecer que Catarina era irmã de Joana a Louca e tia dos filhos dela com de Felipe, duque de Borgonha, e essa informação será fundamental para os futuros acontecimentos que viriam a se desenrolar em relação aos rumos do trono inglês. Foi a partir do acordo matrimonial de Arthur Tudor com Catarina de Aragão que a Inglaterra passou a cunhar pela primeira vez a sua própria moeda: o “soberano” de ouro com 0,7317 g. de ouro,  com o intuito de fortalecer a casa Tudor no trono inglês, e ingressar a Inglaterra no novo status político europeu em voga de uma Monarquia Nacionalista. Em 1501, Arthur Tudor (1486-1502), príncipe de Gales e duque da Cornualha, então com 15 anos, casou-se em 14 de novembro de 1501 com Catarina de Aragão (1485-1536), com 16 anos, na antiga catedral de Saint Paul em Londres. Mas, não antes do zeloso rei Henrique VII conferir que Catarina não tinha nenhuma má formação física, e surpreender-se com a beleza e graça da princesa espanhola. O jovem casal foi passar sua lua de mel no Castelo de Ludlow, que se tornara a capital do principado de Gales. O frio e a melancolia do castelo não convidavam a alegria aos nubentes, não precisou tardar que o clima lúgubre do local levou o jovem Arthur a falecer de uma doença indeterminada em 2 de abril de 1502, doença essa que afetou Catarina também, mas ela sobreviveu. A morte do primogênito abateu o rei Henrique VII e sua esposa Isabel de York, tanto que ambos não conseguiram comparecer às cerimônias de funeral e a jovem Catarina foi obrigada a tomar sozinha todas as providências. Arthur foi sepultado na Catedral de Worcester, e como era de costume Catarina foi isolada para guardar seu luto e viuvez. Isabel de York se esforçaria em consolar Henrique VII da perda de Arthur e seu esforço levou a uma nova gravidez, a qual deu a luz à Catarina Tudor, que morreu logo após nascer em 2 de fevereiro de 1503, nove dias depois no dia de seu aniversário e Isabel de York seguiria no mesmo destino vitimada de uma infecção.  


Se para alguns a morte fecha uma porta para outros ela abre janelas. Para um analista de personalidade Henrique Tudor (1491- 1547), o duque de York, teria sem dúvida um caráter mais robusto com as qualidades de firmar a casa Tudor no trono inglês do que o seu frágil irmão Arthur. Henrique era mais bem talhado em seu caráter à função, e pelo visto o destino também assim o julgou. 
Após a morte de seu filho primogênito, Arthur, em 1502, Henrique VII não tinha o menor interesse em perder o rico dote trazido por Catarina de Aragão à coroa inglesa Tudor e menos ainda a aliança com o reino de Castela e Aragão, então intimamente ligado com o Sacro Império Romano pelo casamento de Felipe, o Belo, duque de Borgonha com Joana de Aragão, irmã de Catarina, e futuros reis de Castela, e herdeiros da coroa de Aragão. Assim Henrique VII entrou em negociação com o papa Julio II, para que  a sua nora, estando viúva, pudesse casar-se novamente com seu filho menor, Henrique, na época do falecimento do irmão com apenas 10 anos. A idéia germinou imediatamente e um acordo de casamento foi assinado em 23 de junho de 1503. As leis religiosas de Roma interditavam o casamento entre membros da mesma família, de modo que a dispensa papal se fazia necessária, e foi pedida e devidamente encaminhada por Henrique VII e o embaixador dos reinos de Castela e de Aragão. Em dezembro de 1503, Julio II assinou a desejada dispensa de casamento, levando em consideração que Catarina estivera apenas casada por seis meses, permanecendo “virgem e o casamento não fora consumado”. Julio II, conhecido como o papa-imperador, que confrontou-se com os aragoneses  Borgia, tornou-se famoso como mecenas das artes, responsável por destruiu e dar inicio a reconstrução da Basílica de São Pedro, a qual faria nome de arquitetos, escultores e pintores do Renascimento italiano. Julio II tinha pois todo o maior interesse financeiro nos assuntos ligados às Grandes Navegações, e as fortunas advindas da descobertas de portugueses e espanhóis, assim como não iria contrariar bons aliados como o imperador Maximiliano I do Sacro Império Romano Germânico, que proveria para sua guarda pessoal, a famosa Guarda Suíça de bravos piqueiros. Em 1503, o papa Julio II pediu à Confederação Suíça, para providenciar para ele corpo de 200 piqueiros suíços. Seu desejo foi financiado por ninguém mais que Ulrich Fugger, da próspera companhia bancária de Augsburg, na Bavária, que financiava a casa de Habsburg. Os Fugger tinham investido no papa e viam como um investimento próprio a “proteção” do papado. Em setembro de 1505, o primeiro contigente de piqueiros suíços formado de 150 homens marchou para Roma, entrando em atividade a 22 de janeiro de 1506, sendo essa a data oficial da fundação da Pontifícia Guarda Suíça, até os nossos dias. Ora, indiretamente o atendimento desse desejo papal por Maximiliano fazia parte do acordo da dispensa papal para o casamento de Henrique Tudor com Catarina de Aragão, irmã de sua nora. O papa Julio II em 1505 deu a dispensa papal para o casamento de Henrique Tudor, duque de York, com a viúva de seu irmão Catarina de Aragão. Henrique VII veio a falecer em 21 de abril de 1509, e o Henrique ascendeu ao trono como Henrique VIII, e após as cerimônias fúnebres do seu pai, anunciou seu vindouro casamento com sua noiva Catarina de Aragão, que desde a sua viuvez em 1504 vivera uma vida miserável e aprisionada tendo até que vender seus pertences para se sustentar, tudo aceitando por sua devoção, acreditando que seu destino era da vontade de Deus. Em 23 de junho de 1509 uma cerimonia privada de casamento se deu na Torre de Londres, no dia seguinte os nubentes seguiram em uma procissão até a Abadia de Westminster sendo aclamados por populares no caminho coberto por finas tapeçarias durante o trajeto, após as pompas e circunstâncias da cerimônia de coroação seguiu-se um extravagante banquete no Palácio de Westminster e outros tantos dias de festejos. Henrique tinha quase 18 anos e Catarina 23 anos.


A morte da rainha Isabel I a Católica, em 1504, trouxera novas circunstâncias, como a passagem da coroa de Castela para Felipe, o Belo, e Joana. Contudo, a coroa de Aragão permanecera com Fernando II, que em 1503 também conquistara para si a coroa de Nápoles após um vacilo de Luís XII ao suceder Carlos VIII como novo rei da França. Estando viúvo, Fernando tenta se casar com a viúva de de Alfonso de Portugal (primo irmão de Carlos Audaz de Borgonha), Joana I, a legitima herdeira das coroas de Leão e Castela, que fora desterrada pelos Reis Católicos, que lançaram sobre ela a acusação de ser “bastarda” para retirar-lhe o direito à coroa de Castela, direito esse que Fernando II de Aragão tenta retomar para si, a fim de impedir que sua filha Joana e e seu marido Felipe (filho de Maximiliano) assumam o trono de Castela.  Naturalmente, Joana, rainha consorte de Portugal, jamais aceitaria tal pretensão daquele que fora seu inimigo. Diante dessa circunstância adversa, Fernando se move na direção de uma princesa francesa, Germaine de Foix, sobrinha do novo rei francês Luís XII (Luís d’Orleans), filha de sua irmã. O casamento se deu em 19 de outubro de 1505, Germaine com 18 anos e Fernando II com 53 anos, e nem mesmo completara uma ano de sua viuvez de Isabel, a Católica. Conforme o acordo matrimonial assinado por Luís XII da França e Fernando II de Aragão no tratado do castelo de Blois, o rei da França cedeu à sobrinha os direitos dinásticos do reino de Nápoles e concedeu a Fernando o título de rei de Jerusalém, direitos esse que deveriam retornar à França caso o matrimônio ficasse sem descendentes. Em troca o Rei Católico deveria se empenhar em produzir um descendente masculino, o qual deveria ser seu herdeiro. A celebração das núpcias provocou a cólera dos nobres de Castela, que viram como uma manobra de Fernando II de Aragão de impedir que sua própria filha Joana e Felipe, o Belo, filho de Maximiliano herdasse a coroa de Aragão. Em 3 de maio de 1509 nasceu o primeiro filho, João, cujo nascimento se supunha que causaria a separação dos reinos de Castela e de Aragão, mas a criança morreu com poucas horas de vida.
O casamento de Fernando II com a sobrinha de Luís XII da França, causou um verdadeiro tumulto no tabuleiro de xadrez de Maximiliano I, e também de Henrique VII da Inglaterra, que não queria a França como sócia de seus negócios, muito menos como herdeira de suas coroas. Assim, em 1507 Maximiliano tornou sua filha Margarida de Borgonha oficialmente regente do ducado de Borgonha com plenos poderes para tutelar seu sobrinho Carlos, então com 6 anos à frente de uma fabulosa herança: Países-Baixos, Espanha, Áustria, Itália, Alemanha entre outros territórios. Ela também serie responsável pela educação de suas sobrinhas: Eleonora, Maria, Isabela e Catarina, assim como do pequeno Fernando, pois a rainha Joana I de Castela, que vivera um casamento  de paixão desenfreada por seu marido Felipe, o Belo, se recusava a autorizar o enterro do corpo de seu esposo e mesmo de se separar de seus despojos. Essa paixão cega de Joana por Felipe era condenável em uma mulher num tempo de severa educação cristã, que não permitia às mulher exteriorizar seus sentimentos amorosos e desejos sexuais, nem se dar a cenas de ciúmes, um tempo em que as mulheres da nobreza eram vistas como um “objeto” negociável e com a função de produzirem herdeiros, de preferência do sexo masculino, e nunca, jamais como pessoas e indivíduos com qualquer aspiração pessoal. Foi por esse motivo, que  a rainha Joana de Castela foi alcunhada  de a Louca, louca de paixão.
Margarida da Áustria que ficara viúva após seu malfadado casamento com João de Castela e Aragão, se casara novamente em 1501 com Felisberto II, dito o Belo (1480-1504), duque de Savoy. Com o novo marido Margarida descobriria todo um mundo novo da caça às questões políticas. Dessa forma o Ducado de Savoy deixou a orbita francesa para entrar na órbita da casa de Habsburg. Porém, infelizmente um acidente de caça levou a vida de seu marido em seus 24 anos, em 10 de setembro de 1504. Margarida, aos 24 anos tornou-se novamente viúva e sem filhos. Como Duquesa-viúva de Savoy ela permaneceu nos seus domínios até que com a morte de seu irmão (1506), quando os rogos de seu pai foi chamada à responsabilidade de retornar para o Ducado de Borgonha para envolver-se nos cuidados de seus sobrinhos. Todavia, mesmo assim, seu pai Maximiliano tentaria um novo casamento para ela. Uma oportunidade mais concreta se apresentou na corte da Inglaterra. Mas, Margarita enfrentou o Imperador e se recusara a casar-se com Henrique VII Tudor que tinha ficado viúvo de Isabel de York em 1503. Margarida, aos 25 anos, assim colou um ponto final nas tentativas de seu pai fazer dela uma moeda de troca para promover as ambições imperiais da casa de Habsburg. A tão desejada aliança entre a Inglaterra e o Sacro Império Romano viria a se a se dar, mas não em razão direta de um matrimônio arranjado, mas de maneira indireta e formal por meio de um tratado. 


Margarida da Áustria tornou-se assim  por força do destino a dirigente de uma das regiões mais importantes dentro do cenário político internacional europeu da época, em que todos buscavam o respeito e uma aliança. Margarida praticou uma política tipicamente borgonhesa, sempre em guarda contra a França e estabelecendo negociações quando necessários, mas sendo claramente um partido de oposição à coroa da França, usava de mão firme para dirigir as províncias do Norte da Europa, ricas mas turbulentas. Margarida da Áustria que não se prestara aos jogos matrimoniais de seus pai para estabelecer uma ligação dos Habsburgo com a Inglaterra, seria suficientemente habilidosa e diplomática para firmar um dos acordos comerciais  mais frutíferos para ambas as partes. 
Ocorrera que em 1488, Maximiliano I tinha concedido aos mercadores estrangeiros amplos privilégios para se estabelecerem em Antuérpia, para que assim permanecessem fiéis ao ducados de Borgonha caso por ventura a cidade de Bruges, principal centro econômico do ducado caísse em mãos francesas. Assim mais de dez anos depois a feitoria comercial portuguesa estava estabelecida na cidade de Antuérpia. Será, pois, durante o tempo da regência de Margarida da Áustria do ducado de Borgonha, que em 1508, seria fundada pela Feitoria de Flandres a Feitoria Portuguesa da Antuérpia, como principal ponto do império comercial, a Casa da Guiné, originária da Casa da Índia de 1503, principal entreposto das rotas comerciais das colônias do Brasil, da África e das Índias Orientais. Com as constantes ameaças das tropas francesas à Bruges, principal cidade do Ducado de Borgonha, a casas comerciais dos mercadores se transferiram ao final do século XV de Bruges para Antuérpia. Em pouco tempo a Antuérpia firmou-se como um dos maiores centros comerciais do mundo mercantilista. Em 1510 a comunidade portuguesa foi agraciada com o estatuto da nação mais favorecida, obtendo privilégios em que o feitor real português em Antuérpia, era ao mesmo tempo um diplomata e um agente econômico, podendo servindo até como embaixador, passando também a manter uma estreita ligação com a poderosa associação comercial londrina, a Mercer’s Company, que desde 1508 passara a ter o já renomado advogado Thomas More (1478-1535) como um dos seus membros, o qual seria o primeiro leigo a ocupar o cargo de Lord Chancellor, em 1518, por indicação do rei Henrique VIII da Inglaterra. Assim, no ano de 1510 um acordo comercial foi finalmente assinado entre o Ducado de Borgonha com a Inglaterra, pela regente ducal Margarida da Áustria e o novo rei inglês Henrique VIII - que subira recentemente ao trono em abril de 1509 e finalmente se casara com Catarina de Aragão, a qual voltara a ser rainha consorte da Inglaterra. Com o novo acordo Londres teve acesso aos negócios crescentes e lucrativos de Antuérpia, que tornou-se nesse período a capital de açúcar da Europa, importando grandes quantidades dessa mercadoria das plantações portuguesas e espanholas no Novo Mundo, entre tantos e lucrativos negócios ligados ao período chamado das Grandes Navegações. 
Não só os negócio voltaram a florescer no ducado de Borgonha sob o governo das firmes e suaves mãos de Margarida da Áustria, mas também a arte e a cultura retomaram o antigo esplendor borgonhês dos tempos do duque Felipe III de Borgonha, o Bom. No passado, ao ficar viúva de Carlos de Borgonha, a inglesa Margarida de York optara por viver na cidade de Malinas, a qual estava encravada entre o ducado de Savoy e os Países-Baixos, e ali estabeleceu uma corte com grande atividade cultural e cientifica enquanto tecia as relações com a Inglaterra. Ali ela apoiou a nascente imprensa e promoveu a publicação de livros e folhetos, enquanto cercou de cuidados primeiro Maria de Borgonha que logo se casaria com Maximiliano de Habsburg, e depois com amor e dedicação tomou os cuidados dos dois filhos do casal e seus afilhados: Felipe e Margarida. Ao final da vida ainda teve a alegria de olhar pelos filhos de Felipe, e foi abençoada em partir desse mundo antes dele que tanto amava. Portanto, não é de causar espanto que a Arquiduquesa da Áustria, Margarida de Habsburg, viuva do Duque de Savoy, tenha estabelecido sua corte também no palácio real de Malinas, local das lembranças de sua mais tenra infância, fazendo da cidade sede do ducado de Borgonha. Na corte de Margarida da Áustria prosperaram as artes e as ciências. E o movimento da Renascença encontrou ali uma campo fértil tanto na expressão das artes como para dar vazão à filosofia do pensamento humanista que nascia. No palácio residiram grandes artistas e filósofos. A maior paixão de Margarida era a música polifônica, cantos de corais com sobreposições de vozes em diferentes tons. Seu cantoral, que ainda se conserva no arquivo municipal da Malinas, é um dos livros mais preciosos de Flandres. Margarida da Áustria foi a primeira mulher a ter as rédeas de um governo na Europa cristã, sua corte foi extremamente refinada e serviu de grandiosa inspiração para as mulheres de sua época e para  os tempos vindouros, sua independência feminina foi aplaudida e causa de constante admiração para todas as jovens tiveram o privilégio de conviverem em sua corte, uma influência notável que despertava paixões entre seus admiradores e admiradoras. O eco de suas atitudes modernas e emancipadas Margarida da Áustria chegariam até a mulher mais importante daqueles tempos, a notável Elizabeth I, rainha da Inglaterra, cuja mãe Ana Bolena fora uma das damas de companhia de Margarida no Palácio de Malinas, bem antes da relação tumultuada com Henrique VIII da Inglaterra. 

O glamour dos Habsburgo assim brilharia cada vez mais em seu encanto, que fascinava e atraia os olhares de todos. Uma voz inaudível aos ouvidos humanos gritava “Cuidado!!!” Sim, há que se ter cautela, pois a exemplo do que se observa no reino animal, a beleza e a sedução são características  próprias de vorazes predadores. 

Os Fugger vieram a desempenhar papel proeminente junto aos Habsburg, apesar das mais altas famílias de banqueiros alemãs como os Baumgarten (Jörn Baumgarten serviu como conselheiro financeiro de Maximiliano) e os Welser. Os historiadores são injustos aos desconsiderarem o grandioso papel de Ulrich Fugger von der Lilie (1441-1510) como o principal tecelão das relações que dariam o poder e a fama ao nome Fugger por toda Europa. Foi ele o fundador da Ulrich Fugger & Companhia,  que foi a primeira sociedade em nome coletivo, também chamada de sociedade geral, onde todos os sócios respondem pelas dívidas forma ilimitada, por isso dita sociedade de responsabilidade ilimitada ou sociedade solidária ilimitada. O nome empresarial sempre tem o nome de um dos sócios e a expressão “e Companhia” (& Cia). E, sempre também sendo constituída por pessoas físicas e nunca de sócios com caráter jurídico. Logo, quando o segundo irmão mais novo Georg Fugger von der Lilie (1453-1506) entrou também para a sociedade o nome foi mudado em 1494 para “Ulrich Fugger und Gebrüder von Augsburg” (Ulrich Fugger e Irmão de Augsburg). Até então Jacob Fugger (1459-1525), o mais novo dos irmãos ainda não fazia parte da Companhia, mas trabalhava para ela. Adquirira larga experiência no período que vivera em Veneza aprendendo o ofício de mercador na Fondaco dei Tedeschi, que ao exemplo da Mercers’ Company de Londres e das Feitorias Portuguesas de Bruges e Antuérpia, era também uma associação comercial em atuação desde 1304 que dava suporte aos mercadores germânicos em Veneza. Pois foi justamente em razão dessa experiência que Jacob Fugger agindo em nome da companhia familiar Ulrich Fugger e Irmão de Augsburg negociou os interesses em minas e mineração de ouro, prata e ferro em troca de empréstimos colaterais feitos aos Habsburgo (Frederico III, Maximiliano I e Sigismund) e ao rei da Hungria, no acordo no qual ele condicionou o empréstimo ao direito aos lucros das minas no Tirol, assim como que os direitos de mineração na Alta Hungria fossem dados à ele. Nessa negociação Jacob Fugger contou com a parceria do nobre austro-húngaro de Cracóvia, Hans Thurzó. A família Thurzó foi responsável por transformar a cidade de Cracóvia em um importante centro do Renascimento com seu poder e dinheiro, originado de seus negócios com a Igreja de Roma e por sua atividade comercial. Através de negócios como esses, onde verifica-se o “pulo do gato” que levou a Jacob Fugger a estabelecer o monopólio de minério na Europa Central. Nesse primeiro negócio,  Jacob Fugger garantiu a entrada dele na Companhia dos irmãos em pé de igualdade na sociedade. Porquanto, a obediência a um senso de “hierarquia” também existia entre os novos-ricos comerciantes burgueses. A primogenitura era extremamente respeitada, e para ascender a uma posição de prestígio era preciso esperar sua vez ou fazer valer sua posição por inegáveis e indiscutíveis méritos próprios, que incluíam o poder econômico e financeiro para adquirir tal posição de influência. Foi assim, que ainda em 1495 a firma mudou novamente de nome para Ulrich Fugger Irmãos & Cia, e, também, naquele ano Jacob Fugger e Hans Thurzó estabeleceram a “Thurzó-Fugger & Companhia”, a qual algumas vezes é considerada a primeira companhia capitalista na Europa. Em 1494 a firma teve um lucro de mais de 54,000 guilders (Florins Germânicos de ouro) e os três irmãos também fundaram a Fuggerei, um projeto de assistência social de residências para pessoas pobres de Augsburg, sendo este também o mais antigo projeto filantrópico no mundo. 


Aderindo a idéia econômica crescente do “metalismo” de que o aumento da riqueza dependia do acumulo de metais preciosos, a Companhia Fugger necessitava também de um enorme capital para tocar seus projetos de mineração na Hungria, capital este que não era possível levantar facilmente. Foi assim que o Cardeal Melchior von Meckau se tornou o principal patrocinador dos negócios Fugger no ano de 1496, quando Meckau sendo príncipe-bispo da cidade de Brixen, ao sul do Tirol, secretamente e sem conhecimento da sua Igreja investiu 150.000 guilders (florins germânicos de ouro) na Companhia Fugger a troco de juros. O detalhe é que naquela época era “proibido” religiosamente emprestar dinheiro à juros, ou seja, obter lucros com o empréstimo de dinheiro, mas esse tal “detalhe” ético, moral e religioso foi inteiramente desconsiderado por ambas as partes. No entanto tal descaso teria futuras consequências. 
Com o crescente apoio dos Habsburg, a Companhia Fugger consolidou seus negócios com a Igreja de Roma, cujos primeiros negócios se deram ao tempo clerical de Markus Fugger, partir de 1473. As boas relações entre os Fugger e o papado se consolidaram em 1477 quando os Fugger foram eleitos os responsáveis pela transferência das receitas da Igreja da Suécia para Roma. A família Fugger foi a primeira de origem germânica a manter negócios com a cúria romana. Ora, no ano de 1492 fora eleito papa Roderic Borgia, o Arcebispo de Valência, cidade proeminente do reino de Aragão, adotando o nome de Alexandre VI. Durante o seu período de papado até 1503, Alexandre VI, mais conhecido como o papa Borgia, desacreditou a Igreja de Roma como nunca antes alguém tivera poder de o fazer, sua notória amoralidade é uma mancha indelével na história da igreja cristã, se um papa pode ser o “anticristo” em pessoa, esse sem dúvida foi Roderic Borgia, chamado Alexandre VI. Não se desconsidere que como aragonense suas ligações com o rei de Aragão, Fernando I, a qual  é raramente mencionada nos anais históricos, mas um papa tão ligado aos Reis Católicos de Castela e Aragão certamente favoreceu imensamente os grandiosos interesses dos reis católicos e indiretamente os interesses dos Habsburgo, que como visto antes eram ligados tanto à coroa de Portugal como a coroa da Espanha, e, logo, consequentemente favoreceu também aos interesses dos Fugger. A presença de um aragonense no trono de Pedro também explica algumas decisões mais favoráveis à Espanha que à Portugal. No despertar da descoberta do Novo Mundo pelo genovês Critovão Colombo, cuja expedição marítima fora patrocinada pelos reis católicos, foi pedido pelas coroas de Castela e Aragão ao papa Alexandre VI para confirmar a propriedade das novas terras encontradas. As bulas papais “Eximae devotions”, de 4 de maio de 1493, e “Dudum Siquidem”, de 23 de setembro de 1493, garantiram os direitos aos Reis Católicos com respeito às novas terras descobertas nas “Américas”, similares aos dados anteriormente pelo papa Nicolas V à coroa de Portugal em 1452 e 1455. 
Apesar do papa Eugenio IV, em 1435 ter feito severo ataque à escravidão em sua bula “Sicut Dudum” - que incluía a excomunhão de todos aqueles que fizessem comércio de escravos, permitindo apenas os contratos de “servidão” dos camponeses em razão dos deveres desses com seus senhores-, ocorreu que quando no início de 1452 o Imperador bizantino Constantino XI escreveu ao então papa Nicolas V pedindo para o socorrer quanto ao cerco do sultão otomano Mehmed II, o papa assinou então uma nova bula em junho de 1452, que autorizou o rei Afonso V de Portugal a “atacar, conquistar e subjugar os sarracenos, pagãos e outros inimigos de Cristo onde quer que eles fossem encontrados”. Apesar da queda de Constantinopla em 1453 nas mãos islâmicas dos turcos-otomanos a bula serviu para iniciar outra cruzada contra o Império Otomano. Com o início das navegações além mar promovidas pelos reinos ibéricos, a propriedade de novos territórios era designada pela Igreja de Roma. A propriedade das ilhas Canárias fonte de disputa entre espanhóis e portugueses, foi a primeira a ser decidida pelo papa Nicolas V e  favoreceu aos portugueses. Os portugueses reclamavam o direito aos territórios ao longo da costa africana do mar Mediterrâneo e do Oceano Atlântico em virtude do tempo investido e dos tesouros descobertos, enquanto os castelhanos reclamavam com base ao direito de herança de seus ancestrais visigodos. Em 1455, Nicolas V assinou a bula “Romanus Pontifex”, endossando o direito dos portugueses à possessão de Ceuta, e exclusivos direitos de comércio, navegação e pescaria em novas terras recobertas e reafirmando a posse à coroa portuguesa, também sancionou o direito de compra de escravos negros dos “infiéis muçulmanos”, os quais eram tomados a força, caçados pelos sarracenos na costa africana, assim como conclamava os conquistadores à prática da conversão para a fé Católica, “para que com a divina misericórdia, as pessoas nativas fossem convertidas e suas almas fossem ganhas para Cristo”. A bula dava exclusividade à atividade comercial portuguesa entre o Marrocos e as Índias, assim como o direito de conquista de territórios e conversão dos habitantes nativos, direitos que vieram a ser estendidos no futuro. Assim, não é de admirar que os Reis Católicos estivessem ávidos por obter não só a titularidade sobre novas terras recobertas assim como os mesmos direitos dados aos navegadores portugueses, fato e razão pela qual haviam patrocinado e contribuído vultuosamente para a chegada de Roderic Borgia ao papado, o pagamento da conta veio na assinatura bula “Inter Caetera”, em 4 de maio de 1493, que dividiu a titularidade entre as coroas de Aragão e Castela e a coroa de Portugal das terras recentemente recobertas do Novo Mundo ao longo de uma linha imaginária de demarcação, essa foi a base do Tratado das Tordesilhas, o qual foi ratificado pela Espanha em 2 de julho de 1494 e por Portugal em 5 de setembro de 1494, esta e outras bulas relativas ao assunto das descobertas das navegações ficaram conhecidas coletivamente como “Bulas de Doação”. 

Assim, foi só após a morte do papa Borgia Alexandre VI, que as oportunidades voltaram a se abrir para os interesses dos Fugger no Vaticano. Esse favorecimento logo começou com o papa Julius II (1453 - 1513) - o cardeal Giuliano della Rovera nascido na República de Genova, importante porto italiano e sobrinho do papa Sixtus IV -, ele se negou a viver nos mesmos recintos que o seu predecessor  e mandou lacrar os quartos, os quais permaneceram nesse estado até o século XIX. Seu primeiro ato foi justamente dar a dispensa papal para que Henrique VIII, rei da Inglaterra, pudesse que se casar com Catarina de Aragão, filha dos reis católicos Fernando I de Aragão e Isabel de Castela.

Foi num clima mais favorável, após a descoberta do navegador português Vasco da Gama da rota para a Índia e o estabelecimento do monopólio português de especiarias, que Jacob Fugger tomou parte no comércio de especiarias e em 1503 abriu uma manufatureira em Lisboa, no reino de Portugal. Ele recebeu permissão de negociar com pimenta e outras especiarias, com mercadorias de luxo como pérolas e pedras preciosas para toda Europa através de Lisboa. Ao lado dos mercadores da Alemanha e da Itália ele contribuiu para uma expedição de 22 naus portuguesas liderada por Francisco de Almeida para a Índia, que partiu de Portugal em 1505 e retornou em 1506. Ainda que um terço da importação dos produtos fossem cedidos à coroa portuguesa a operação tivera lucros significantes. Infelizmente, logo depois o rei português ávido por mais ganhos declarou que o comércio de especiarias era monopólio da coroa de forma a assegurar seus rendimentos excluir os mercadores estrangeiros de participarem no negócio, sem dúvida a decisão da coroa estava respaldada pela associação dos comerciantes portugueses, não nos esqueçamos que eram as Feitorias Portuguesas que detinham em suas mãos todo o poder comercial.  Contudo, os portugueses eram dependentes do cobre fornecido pela Companhia Fugger, e o cobre era essencial nas negociações de produtos exportados por Portugal em seus negócios com a Índia. Diferente dos banqueiros alemães Welser que investiram pesadamente nas navegações e receberam até a região da Venezuela como pagamento de seus patrocínios, Jacob Fugger sempre teve uma participação conservadora e cautelosa nos negócios de além mar, porquanto considerava esse um investimento de fundo perdido e sem garantias de resultados certos, e se havia uma coisa que Jacob Fugger apreciava era o “lucro certo”, um ganho menor certo para ele valia muito mais do que aventurar-se num lucro muito maior sem nenhuma garantia. Desse modo, para Jacob Fugger fornecer o financiamento do recrutamento da “Guarda Suíça” para o papa em dezembro de 1505, com efeito a partir de 1506 (existente até os dias de hoje) a pedido do Imperador Maximiliano I , tal como visto anteriormente, parecia a Jacob Fugger sem a menor sombra de dúvida um investimento muito mais vantajoso. 

Aconteceu que o destino tem seus próprios caprichos e na maioria das vezes isso faz com que as circunstâncias comandem os caminhos tal como as águas de um rio que correm para o mar e que desconhecem os acidentes do terreno pelo qual passarão, no curso das águas do destino não é possível alguém dizer para parar que se quer descer. Entre o final dos anos de 1470 e o início de 1480, o então Arquiduque da Áustria, Sigismund Von Habsburg era o senhor do Tirol (aquele mesmo que Carlos da Borgonha salvara da falência e depois por ele fora traído), viúvo em 1480 de Eleanor Stuart, filha de Jaime I rei da Escócia, decretou uma reforma radical na cunhagem das moedas do seu território, com a criação da primeira linha de cunhagem de larga escala de moedas de prata, chamadas de “guildengroshen”, que viria a ser mais tarde o “thaler” moeda desenvolvida pelos Habsburg da Boêmia. Esta moeda foi a ancestral da maioria das moedas da Europa e mais tarde do dólar norte-americano. Usando novos métodos de mineração nas minas do Tirol atrelado ao novo processo mais rápido de cunhagem as novas moedas de prata passaram a ser de uso corrente para o comércio na Europa, todavia a explosão da prata por causa das minas espanholas nas Américas viriam a ser causa mais tarde do naufrágio da economia européia. Por conta de suas moedas de prata, Sigismund acabou ganhando a alcunha de “rico em moedas”. Todavia, as coisas não iam lá muito bem politicamente para o ambicioso Arquiduque da Áustria, apesar de ser o único dono dos direitos de propriedade e da permissão para as operações de mineração para investidores privados, que garantiam alta lucratividade a Sigismundo, seu estilo de vida luxuoso, seus numerosos filhos ilegítimos para sustentar e seus projetos megalomaníacos de construção faziam com que o Arquiduque precisasse constantemente de dinheiro, e precisasse recorrer a financiadores. Foi assim que Jacob Fugger, por intermédio do Cardeal Melchior com Meckau, desde 1481 chanceler de Sigismund, Arquiduque da Áustria, acabou por financiar suas ambições a partir de 1488. Ora, Jacob Fugger por conta disso veio a ter a sua própria introdução pela primeira vez junto a Maximiliano em 1489, que governava conjuntamente o Sacro Império Romano Germânico com seu pai Frederico III desde 1483, em Frankfurt, por ocasião justamente da negociação de um ducado independente do Tirol, cuja população se rebelara contra o Arquiduque Sigismund. Com uma dívida de 150.000 guilders (florins germânicos de ouro), Sigismund se viu compelido a passar os Estados do Tirol para Maximiliano, então rei de Roma, e devido a sua má administração resignar aos seus direitos ao Tirol em 16 de março de 1490. Nessa ocasião, Maximiliano assumiu a promessa de pagamento da dívida do Arquiduque junto ao credor Jacob Fugger. Logo depois em 1493 com o falecimento de seu pai Frederico III, Maximiliano foi eleito o novo imperador do Sacro Império Romano Germânico.  Em 19 de agosto de 1493, Maximiliano tornou-se o novo Arquiduque da Áustria. Em 1496, Sigismundo Habsburg faleceu sem deixar herdeiros. E foi também justamente no ano de 1496, que o Cardeal Meckau se tornou o maior patrocinador em segredo dos negócios de Jacob Fugger, investindo 150.000 guilders (florins germânicos de ouro), em retorno de “juros”. Em 16 de dezembro de 1506, Maximiliano, pretenso Imperador do Sacro Império Romano Germânico nomeou o Cardeal Meckau como seu “embaixador” para os arranjos diplomáticos necessários para a sua coroação em Roma. O Cardeal Meckau visitou o papa Julius II, e a 15 de dezembro de 1506 foi à República de Veneza negociar a passagem da comitiva imperial pela região, porquanto Veneza fechara a passagem do Sacro-Império para a Itália em razão das disputas com as guerras de reconquista dos Estados Pontifícios promovidas pelo papa Julio II. Em face da circunstância adversa, em fevereiro de 1507, Maximiliano declarou-se a si mesmo Imperador do Sacro-Império, embora não tivesse sido coroado em Roma e só pode fazer isso porque o papa Julio II fora  devidamente “convencido” da necessidade de dar o seu acordo a essa decisão, em troca do apoio militar e financeiro de Maximiliano I patrocinado através de Jacob Fugger, naturalmente. Em 15 de julho de 1507, o imperador Maximiliano I “vendeu” a Jacob Fugger terras de grande valor na região de Baden-Würtemberg, região agraciada com as belezas naturais da Floresta Negra e do Lago Constance, das possessões dos Habsburg, pago por Jacob Fugger em 1508 com valor atestado de 50.000 guilders (florins germânicos de ouro), uma pechincha. Em 1508, Maximiliano I corou a si mesmo como Imperador do Sacro Império com o consentimento do papa Julio II, tomando o título de “Imperador Romano Eleito”, colocando assim um fim na tradição de séculos de que o Imperador Sacro-Romano tinha que ser coroado pelo papa. Assim, aquilo que Carlos da Bretanha não tivera coragem de fazer, Maximiliano Habsburg fez, mas com consentimento papal e  haveria de vir quem o fizesse sem esse consentimento nos anos vindouros.

Foi então que o inesperado aconteceu, o artífice dos bastidores dessas estranhas negociações, o patrocinador secreto dos interesses de Jacob Fugger, o eminente Cardeal Meckau faleceu em Roma em 3 de março de 1509. E a situação para Jacob Fugger ficou muito, mas muito delicada mesmo. O investimento do Cardeal de 150.000 guilders (florins germânicos de ouro) feito em 1496 foi descoberto. O papa, o bispado de Brixen (ou Bressanone) e a família Meckau todos reclamaram o direito à herança e o pagamento imediato do investimento, que caso tivesse efeito teria como resultado a insolvência de Jacob Fugger e sua consequente falência. A situação ficou tão periclitante que o próprio imperador Maximiliano I foi obrigado a dar um passo firme para assistir o seu banqueiro. O imperador Habsburg prometeu ao papa Julio II, apoiá-lo na guerra contra a República de Veneza  e o reconheceu como o herdeiro verdadeiro do Cardeal Meckau, em detrimento dos outros reclamantes. A herança pode então ser negociada com o pagamento de débitos por Jacob Fugger devidamente amortizados, assim como ele também teve que oferecer graciosamente jóias ao papa como compensação. Porém, em troca de seu apoio Maximiliano I exigiu de Jacob Fugger um contínuo suporte para suas campanhas políticas e militares. Ora, apesar desse “contratempo” Jacob Fugger estabeleceu ligações sólidas com o papado, de modo que de 1508 a 1524 a Fugger & Cia foi responsável pela Casa da Moeda Pontifícia, manufaturando 66 tipos de moedas de diferentes papas e tornou-se até a única manufatureira com representação em Roma.

Por sua vez no seio da família Fugger o destino também batia à porta. Em 1506, aos 56 anos, George Fugger faleceu. Logo depois em 1510, aos 61 anos, também faleceu Ulrich Fugger devido a uma operação mal sucedida para remover pedras do rim. Foi assim que aos 51 anos, Jacob Fugger tornou-se o único sócio-executivo da Companhia Fugger & Irmãos, passando a ser conhecido por toda a Europa e Américas como “Fugger, o Banqueiro dos Habsburg”, e esse título iria valer seu peso em ouro na medida que o poder dos Habsburg brilhava com glamour iluminando um império onde o sol nunca se poria. Mas, Jacob Fugger  em consequência de seu incrível sucesso financeiro e econômico sem precedentes para um “burguês” e em razão de suas ligações com reis e papas algo se daria por ser o homem mais rico e poderoso sem-nobreza na face da terra: ele seria o pomo de uma discórdia que causaria a primeira das revoluções burguesas, aquela que foi destinada a derrubar tanto o poder da Igreja de Roma como o dos Habsburg. Contudo ambos perseveraram, mas a fortuna da Companhia Fugger acumulada por Jacob Fugger sofreria danos irreparáveis ao perder o apoio institucional da qual verdadeiramente dependia seu poder, porquanto, em verdade, Jacob Fugger pessoalmente não detivera poder algum que lhe fosse inerente, ele era apenas um satélite em órbita em torno de instituições poderosas, apenas isso. Pode-se dizer que  nos termos de hoje Jacob Fugger foi tão apenas o “testa-de-ferro” dos Habsburg.

Contudo, a vida ensina que as aparências quase sempre podem ser enganosas. O imperador Maximiliano I que estava sempre com problemas financeiros de curto prazo: seus rendimentos nunca pareciam ser suficientes para sustentar a larga escalada de seus objetivos e políticas. Por causa desta delicada circunstância ele era forçado a tomar créditos substanciais. Ao termo do seu tempo de governo Maximiliano I acumulou débitos de 6 milhões de guilders (florins germânicos de ouro), sendo que a Companhia Fugger & Irmãos era a maior credora desse valor. Depois de ficar evidente que a guerra contra Veneza fora um fracasso e depois também que a república veneziana reconquistou o último pedaço de seu território em 1517 das garras de Maximiliano, o imperador começou a focar inteiramente na questão de sua sucessão. Seu objetivo era assegurar seu trono para um membro da casa de Habsburg, de modo a impedir que o novo rei da França, Francisco I ganhasse o trono. Nesse intuito a resultante “campanha de eleição” era um ato sem precedente, e seria necessário um uso de massivos subornos. A Companhia Fugger representada então por Jacob Fugger forneceu a Maximiliano I o crédito de 1 milhão de guilders (florins germânicos de ouro), que foram usados para subornar os príncipes-eleitores. A princípio, a política parecia ter sucesso, e Maximiliano lidou bem para conseguir os votos de Mainz, Cologne, Brandenburg e Boêmia para seu neto Carlos. Mas, o imperador Maximiliano I que sofria de estranha morbidez e desde 1514 e carregava sempre seu caixão com ele para onde quer que fosse, finalmente no dia 12 de janeiro de 1519 teve a oportunidade de usá-lo ao falecer em Wels, na Alta Áustria, ele tinha então 59 anos e vivera sua vida intensamente. A dívida fabulosa deixada pelo Imperador Maximiliano levaria até o final do século XVI para ser paga integralmente à Companhia Fugger, mas será tal pagamento na realidade apenas um “acerto de contas entre cavalheiros”. 


Através de guerras e casamentos os Habsburg estenderiam sua influência em todas as direções; para a Holanda, a Espanha, Boêmia, Hungria, Polônia e Itália na Europa, além das novas terras do além mar, com possessões na Índia, África e Américas. Sua influência duraria por séculos e moldou grande parte da História européia e do Novo Mundo. O glamour do poder imperial da casa dos Habsburg provocará numerosas guerras com a casa real da França, até o estabelecimento da aliança de 1756 que finalmente unirá as duas casas com a concretização do casamento do futuro Luís XVI da França e da Arquiduquesa da Áustria, Maria Antonieta de Habsburg, produzindo finalmente “herdeiros” da coroa da França com sangue dos Habsburg. E desse congraçamento entre a casa real da França e a casa imperial dos Habsburg resultará na mais sangrenta das revoluções burguesas. A ela de seguirá ainda outras revoluções, mais duas guerras mundiais até que a face do mundo seja inteiramente mudada, mas não tão mudada assim, que o simples sussurrar do nome Habsburg não cause ainda hoje um profundo impacto a quem o ouça.